quinta-feira, 25 de julho de 2013
Onofre e o nordestino
Em outra oportunidade trouxemos uma entrevista do escritor MILTON MACIEL para o site REVISTA BIOGRAFIA agora trazemos uma de suas excelentes histórias,esta abordando um curioso encontro de culturas completamente distintas:o Brasil ARRETADO do Nordeste com o Brasil GAUDÉRIO do Rio Grande do Sul(VER FOTOS ABAIXO).CONFIRA A HISTÓRIA E DIVIRTA-SE!
"Pois foi num dia de faina qualquer, quando havia uma carga de lã recém-enfardada para mandar da fazenda para a cooperativa. Às duas da tarde encostou o caminhão de Juvenal Paraná, que era quem normalmente fazia esse tipo de serviço. Só que, desta vez, ele tinha mandado seu novo ajudante para se entender com o Onofre e levar a carga.
O homem era novo por ali: trigueiro, de baixa estatura, cabelo meio sarará. Apeou da boléia e estendeu a mão. Onofre quase lhe tritura todos os ossos no aperto:
– Buenas, tchê! Mas que que tu tá fazendo no caminhão do Juvenal, índio velho?
– Ó xente! Sô índio não, só pareço. E sô velho não, seu moço. Sô moço! Eu sô é caboclo dos bom do meu Cariri, no Ceará. Aquele cabra da peste do Juvenal me mandô aqui por causa di que ele foi prum baticum que vai tê num casório, dizque é um tal de Pedrão qui casa mais uma Maria. Dizque vão balançá a tanajura tumbém.
Onofre não entendeu quase nada daquela língua estrangeira, do tal país chamado Cariri. E pediu imediata presença de compadre Gaudêncio, com quem foi se aconselhar em particular, deixando o homem do caminhão na espera.
– Me diz, cumpadre, como é qui eu vou me entendê com esse baixinho que é estrangero e fala outra língua, parecida só um poco com a nossa?
– O home é de fora, é, cumpadre?
– Pois é como le digo. Fala esquisito como só. Disse que o Juvenal tá com uma cabra que pegô peste. Mas eu só queria sabê onde é que existe cabra aqui na Campanha. Aqui nós só temo gado e ovelha, nunca que tem cabra. Pelo menos aqui em Santana do Livramento eu nunca que vi uma cabra.
– Nunca que tem! E essa cabra pegô peste, cumpadre?
– Pois foi o que o homezinho disse. Começa que o índio velho disse que não é índio nem velho e depois me chamô de moço – se é que eu entendi o idioma dele. Ora, que ele não é bugre qualqué um tá vendo, não sei porque ele fala essas bobage.
– E que otra coisa esquisita que ele falô, cumpadre?
– Bueno, ele disse que ia tê um tal de bate cu num tal de casório, que é casamento, todo mundo sabe. Mas é esquisito ele contá essas coisa das intimidade dos otro que arrecém tão se casando, não acha, cumpadre? Pelo que eu entendi, dizque é o Pedrão que vai fazê isso com uma tal de Maria. Dizque a tal tem uma tanajura mui grande e aí...
– Barbaridade, cumpadre! Que eles faça o que quisé não é da conta de ninguém, pra isso eles tá se casando. Mas também saí contando pra todo mundo... que o noivo vai bate o negócio dela... Francamente!...
– Bueno, mas vamo vê se o cumpadre me ajuda a entendê a língua dele, que temo que subi a lã pro caminhão ainda cedo.
E dirigiram-se, juntos, para o motorista:
– Bueno, tchê, tá pronto prá subi as lã?
– Eitcha, num mi dissero que a lã ia subi di preço, não. Mai num faiz mal, essa coisa di preço é lá cum o cabra da molesta do Juvenal.
– Mas bah, cumpadre, taí ele falando de novo na tal da cabra doente do Juvenal. E que nós temo com isso? Ele que mande curá as bichera dela, ora!
– Bueno, vamo mandá carregá os fardo, entonces?
– Ah, carregá nós pode começa é já, não pricisava cercá lourenço, seu minino, falasse logo.
– Olha só, cumpadre: chamo mecê de menino. Vai vê pensa que tu é um piá de bosta qualqué. Acho que vô sentá o relho nesse desaforado.
– Calma, cumpadre Onofre, que nós precisa do frete desse índio velho. E ele disse que nós tava cercando um tal de Lourenço, ou entendi errado?
– Arre égua, mai eu já num disse qui não sô índio? E tumbém não só velho, só tenho trinta e oito ano. E cercá lourenço qué dizê arrudiá, fica dando vorta no assunto, sem i direto nele.
– Arreá uma égua?! Mas o índio tá loco, onde é que tu tá vendo égua por aqui pra botá os arreio, animal?
– Num tem qui arreá nada, que presepada é essa? Afinar, ocês qué qui eu leve a carga o não? Ocês decidi. Inquanto isso, me diz donde qui tem uma casinha, mode eu dá uma barrigada.
Os dois gaúchos velhos se entreolharam surpresos, não estavam entendendo nada, mas nada mesmo.
– Tu qué dá uma barrigada? Mas isso só se pulá de mau jeito na água do arroio. O é otra cosa?
– Não, dá uma barrigada é cumparecê na casinha, arriá as carça e se livrá do barrinho, entendeu?
– Ah, bueno, tchê, se tu ta querendo aliviá os intestino, vai ali atrás daquelas macega, tá vendo? Ali é que nós alivia quando tá longe de casa como aqui.
– Danou-se! E tem papel, pelo menos, ói qui eu já to ficando avexado.
– Home que é home não tem vergonha de cagá, tchê!
– Tá bestando, homi? Avexado qué dizê qui to cum pressa, não cum vexame.
– Ah, Bueno, entonces vai lá e usa as macega mesmo para se limpá, é como nós fazemo aqui, não cai pedaço. Home que é macho não usa essas coisinha de papel, isso é frescura, tchê!
– Tá bom, dexa eu corrê qui tá mal agora. Foi aquele sarapatel com jerimum mais beiju sarolho. Vô ali atrás dos pé de pau e uso as folha das planta mesmo, as tal de macega, é isso?
– Isso mesmo, índio velho. Tu entendeu o tá se fazendo de chancho rengo?
O Cearense também não entendeu nada, mais saiu na carreira para o meio das macegas. Aí os dois amigos ficaram comentando:
– Bueno, eu já tava começando a ficá buzina com esse chiru. Até parece que tá entropigaitado. O tu acha que ele tá se fazendo de chancho rengo?
– Chancho rengo? Se fazendo de bobo? Acho que não, cumpadre, acho que,se a gente não entende direito o idioma dele, ele também pode não entender o nosso. Acho que é isso. A gente precisava de um intérprete.
– Cuê-pucha, cumpadre! Que que é isso que tu falô, esse tal de ... intérprete?
– Bueno, cumpadre, é um turuna que sabe falá os nosso dois idioma, o do Rio Grande e o do tal de Cariri, que é o país dele.
– E onde a gente vai achar um taura assim? Tem idéia?
– Bueno, só se a gente esperá o Juvenal voltá notro dia, afinal o bagual aí trabalha pra ele, não é mesmo? Mas hoje é o tal do bate cu do casório e a essa altura aquele paranaense já boquejô, e já caturritô tudo o que podia e deve de tá bebendo tudo que é canha que encontra pela frente. Já deve de tá borracho, com certeza.
– Pues, sabe que tu tá certo, cumpadre. É isso mesmo. Quando o baixote vier aliviado pra cá, a gente desconversa, diz para esse cuiudo voltá outro dia com o Juvenal e fica o dito pelo não dito. É claro que o Juvenal, mui ambicionero, vem amanhã sem falta pra pegá a carga. E aí ele explica pra nós o que esse azonzado, esse aplastado, tá querendo dizê quando fala essa língua estranha dele. Agora, pensando bem, será que ele não tá é borracho? Tu sabe, um maula emborrachado fala tudo trocado, troca os pé pelas mão.
Nesse momento o ajudante de Juvenal, com cara de alivio e beatitude, estava de volta.
Compadre Gaudêncio perguntou direto, sem frescura:
– Escuta, tchê, tu não tá emborrachado, não?
– Emborrachado? Mai cuma? Cumo é qui eu havia di tá emborrachado, si nem passei em posto o borracharia no caminho pra cá?
Onofre fez o clássico sinal de jogar bebida na goela e completou:
– Borracho, tchê, fica o índio depois que toma um monte de canha.
– Ah, oceis qué sabê foi si eu tô chei dos pau, de cara cheia de cachaça, é isso? Si eu bebi muita pinga no caminho? Se oriente, homi, qui eu bebi fui um nadica di nada, só tava com uma fome de lascá o cano, comi fui muito daquele sarapatel, que ficô agora nas macega de oceis. Oceis tão me fazendo é ri, e um muito! Acho qui vou quebrá a tripa gaiteira. Ha, ha, ha...
E, de fato, o cearense dobrou-se de tanto rir, quebrou mesmo a tripa gaiteira, soltou uma solerte gaitada.
– Barbaridade, cumpadre, o homezinho tá tendo um ataque de riso. Se tá rindo da gente, vamo cagá ele a pau, dá-le uma sumanta de laço, é falta de respeito.
– Deixa disso, cumpadre Onofre, o home até que é boa gente, ele tá rindo é do rumo da nossa conversa, que a gente não entende a língua dele nem ele a nossa. A regra de hospitalidade manda a gente tratá bem os estrangero que chega na nossa terra, não é mesmo? Pois então, vamo pedi pra ele voltá otra hora com o Juvenal e vamo oferecê umas canha, um amargo e um churraco pra ele, o que que o cumpadre acha?
- Bueno, acho que o cumpadre tem razão. Vamo isquecê essa trapalhada toda, mas vamo convidá ele pra mateá e pra churrasqueá com a gente um otro dia, quando o Juvenal pode fazê o trabalho do tal de intérprete, tá certo assim?
– Macanudo, cumpadre Onofre. Vamo falá pro home então.
E foi assim que falhou a primeira tentativa de aproximação entre as culturas de Santana do Livramento e do Cariri cearense(VER FOTOS ABAIXO). Por culpa das óbvias barreiras intransponíveis entre os dois idiomas pátrios.
Não há como não vir à nossa memória o trabalho pioneiro de aproximação dos povos, desempenhado, um dia, pelos irmãos Vilas Boas, no Xingu..."
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário