terça-feira, 31 de dezembro de 2013
Magnólia Amarela
Quem frequenta a Biblioteca Pública Municipal de Joinville com certeza a conhece.....é uma das funcionárias mais prestativas e simpáticas da casa e é uma das funcionárias que guiam a criançada nas fantásticas histórias narradas aos sábados pela manhã.Esta é MARLETE CARDOSO,que no último dia de 2013 revela o seu outro lado,desconhecido de muitos:O DE ESCRITORA.CONFIRA:
"Toda semente sabe ou sente qual é a sua vocação.
Lembro-me do meu primeiro dia nesta rua.A família que me adotara era composta de um pai calado e forte que me erguia com facilidade,
uma mãe carinhosa que ficara por perto o tempo todo
e um filho e uma filha ainda pequenos,sendo que o menor fez questão de sujar as mãos de terra para cobrir minhas raízes frágeis.
Ficaram depois conversando em volta e foi quando ouvi meu nome pela primeira vez:Magnólia Amarela.
E soube que tinha nome e sobrenome.Ganhei uma cerca de madeira e diariamente vinham regar-me até que aprendi a me alimentar sozinha.E viver ficou muito fácil!
Houve um dia em que ,pela janela aberta,espiei a sala cheia de flores coloridas,
mas os semblantes eram tristes e como não havia música,percebi que não era uma festa.Naquela tarde,senti o calor e a benção da chuva juntos pela primeira vez.
Nunca mais vi o pai sair ou chegar do trabalho,no qual,fiquei sabendo,sofrera um acidente.E embora o mesmo sol continuasse a brilhar,a casa estava quase sempre fechada.Observei uma noite a mulher olhando para o alto com olhos que eram como lagos profundos a desejar as estrelas.
E outra vez a sala se encheu de pessoas e flores.
Depois que todos foram embora,a casa ficou tão só que desejei pular a cerca e ir fazer-lhe companhia.Nunca mais via mulher com seu coração imensamente maior que seus braços e pernas;nem as crianças que estavam deixando a meninice.
Ficamos sozinhas por várias estações,eu e a casa.
Ela me contou que havia sido construída para abrigar a família agora ausente.
Alguns supersticiosos desviavam seus passos em frente à morada agora vazia e destilavam seus medos.Mesmo minha sombra era evitada por esses.
Cresci com todo o sol e toda a chuva que podia abarcar,sonhando com as flores,as tais magnólias amarelas.
Tinha o cuidado de não esticar demais meus ramos para os lados,preferindo crescer para cima,não incomodando os exigentes passantes.Embora ainda pequena,eu sabia que tinha potencial para muito mais e os primeiros ninhos de bentevis fizeram-me cócegas.
Finalmente vejo movimento intenso em volta e a casa já não está só.Com os novos moradores,vêm também novas exigências,e alguns de meus galhos são cortados sem nenhum pedido ou aviso.
As folhas que eu deixava cair e lá ficavam,agora são rapidamente recolhidas,como se enfeassem a passagem.Queria que os vizinhos não se sentissem incomodados coma minha presença.
E,embora pareça que o cinza do cimento seja mais bem aceito por todos,eu teimo em levar a minha vida enfolharada,cheia de clorofila e oxigênio,resistindo aos atos de violência e olhares de reprovação.
Agora,nesse mais de vinte anos de vida nessa calçada,aprendi a confiar que terei novas folhas e largo sem cerimônia as que estão pesadas de poeira.Eu sou cada uma.Meu segredo é um pacto feito com o vento:encher essa rua com minhas folhas para que ele venha brincar com todas elas juntas
como faz com as águas.Teremos então um lindo rio,vivo,dourado e borbulhante.
Em novembro,quando as imperceptíveis flores novamente viverem,todo o ar de toda a rua passará a cheirar magnólia.As pessoas desfilarão com um sorriso bobo no rosto.Sol ou chuva não farão diferença,e qualquer pulmão de qualquer tamanho será brindado com meus melhores pensamentos em forma de aroma.Puro êxtase do olfato!
Espero que entre os humanos haja muitas mãos como as que me colocaram aqui e que continuem a velar pelos sonhos das árvores das calçadas,que amam os dias e as noites,ventos ,casas e pessoas."
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Querido Luciano, obrigada pelo trabalho e divulgação de um conto tão singelo.
ResponderExcluirDesculpe não ter visto antes, mas sabe como são as férias... a gente precisa desligar um pouco. Grande abraço e parabéns pelo trabalho!
Que linda Magnólia Amarela...conto maravilhoso.
ExcluirOs ninhos dos bentevis lhe fazem cócegas...Que tal uma divertida historinha com Magnólia sendo alegrada com cócegas por seus amiguinhos?