quinta-feira, 11 de setembro de 2014

Quem Não Trabalha Não Come

Surgido a partir dos batuques e ritmos trazidos pelos escravos , o SAMBA foi durante muito tempo marginalizado e visto como um tipo de música de " marginais , malandros e vadios " . Esse jeito de música marginal foi reforçado na década de 30 , quando vários sambas exaltavam a figura do malandro , aquela figura que vivia de pequenos serviços , de golpes e de pequenos furtos  . Talvez o grande símbolo dessa fase marginal do samba seja a música LENÇO NO PESCOÇO , gravada em 1933 e de autoria de WILSON BATISTA ( 1913-1968 ) . Acontece que a partir de 1937 o então presidente "provisório" GETÚLIO VARGAS ( 1882-1954 ) passou a governar o Brasil com mãos fortes ( ele era um simpatizante e admirador do fascismo italiano , tanto que o conjunto de leis trabalhistas do Brasil foi inspirado na CARTA DEL LAVORO italiana , de 1927 ) , controlando rigorosamente todas os espetáculos artísticos e formas de comunicação e informação  . Apoiado pelos empresários e interessado em criar uma imagem perfeita e grandiosa , até megalomaníaca , do Brasil  , Getúlio  passou a incentivar o chamado SAMBA-EXALTAÇÃO , do qual o grande exemplo é AQUARELA DO BRASIL ( de 1939 ) , composta por ARY BARROSO e cantada originalmente por FARNCISCO ALVES ( 1898-1952 ) , o CHICO VIOLA , cantor brasileiro mais popular da época .

 No lugar dos sambas exaltando a malandragem entravam os SAMBAS EXALTANDO O TRABALHO , cujo grande exemplo também é de Wilson Batista , que em 1940 compôs juntamente com ATAULFO ALVES  o samba BONDE DE SÃO JANUÁRIO , sobre um malandro arrependido  . Os artistas não são seres alienígenas e sim estão inseridos na sociedade a refletem através de suas obras . Mais do que exaltar um estilo marginal de vida os sambistas da década de 30 criticavam os patrões , visto que o trabalho era considerado algo que só beneficiava a eles . E é sobre a relação entre arte e trabalho e a importância do artista na sociedade de que trata a crônica de hoje , de HILTON GORRSEN . CONFIRA :

"Algumas  vezes , cronistas - assim como este que vos escreve - tem subvertido a realidade em suas crônicas  , trocando o que é pelo que não é . Leitores mais desavisados devem ter comentado : Isso não pode acontecer . Isso não é real ! Invenção de quem não tem nada o que fazer .

 E o que tem isso a ver com o título aí em cima ? Calam , leitor , vamos por partes , como dizia Chico Picadinho .



 Aos que pensam da mesma forma , aqui vai uma explicação de modo mais palpável . Existe o mundo considerado real , o das notícias , dos documentários  ou das biografias , e o mundo considerado possível e até mesmo impossível . Este último é o mundo da ficção . Não fosse assim , não haveria obras como ' As Viagens de Guliver ' , 'Alice No País Das Maravilhas ' , ' A Máquina Do Tempo ' , ' Drácula ' e  todos os filmes atuais que exploram o vampirismo . Não existiriam os heróis dos quadrinhos como o Superman



 e o Homem Aranha  .



 A literatura , em todas as suas formas , busca criar outras realidades , forjar situações ainda não vividas  . É como se alguém dissesse : o que aconteceria se .......



 Todo texto leva em si uma intenção por menor e mais pueril que seja . Jonathan Swift ( GRAVURA ABAIXO )



 não descreveu as viagens de seu herói Guliver  somente para extasiar a criançada ; aliás , seu livro não foi escrito para a juventude . Sua intenção era satirizar os costumes de seu tempo .

 A cena mais emblemática , para mim , é quando Guliver ( GRAVURA ABAIXO )



é punido por ter livrado o castelo real dos pequeninos de ser destruído por um incêndio . E de que maneira ? Simplesmente fazendo xixi em cima do fogo . Pelas leis vigentes era considerado crime urinar nas sagradas paredes da morada real . Mesmo uma criança é capaz de entender como ás vezes é ridícula a inflexibilidade das leis .

 E você acha que a fábula ' A Cigarra E A Formiga '



 é somente um conflito entre pequenos insetos ? Por trás da historinha , o autor manda seu recado ideológico , aqui traduzido de modo simples : quem não trabalha não come ( aí está o título da crônica !  ) . O trabalho artístico , simbolizado pela cigarra ,  não era então valorizado como nos dias atuais , pelo que se desprende que todo texto registra a ideologia dominante em seu tempo .

 Hoje a cigarra , montada na grana , estaria rindo da laboriosa formiga , certamente sobrevivendo com o salário mínimo .



 A crônica - apesar de não estar situada no patamar das grandes obras e de nem sempre sobreviver ao dia seguinte à sua publicação no jornal - muitas vezes subverte os fatos e a realidade , chamando a atenção para aquilo que deseja criticar  . "

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