segunda-feira, 14 de abril de 2014

A sola e os pés de Rufino

Diz um velho ditado popular : " QUEM VÊ CARA NÃO VÊ CORAÇÃO " ........Este poderia ser perfeitamente o título da crônica de hoje .Existem aqueles que acreditam que Jesus Cristo na verdade seria uma imagem simbólica de todos aqueles que lutaram contra o domínio romano na antiga Judéia e que Robin Wood seria a representação dos foras-da- lei da Inglaterra na Idade Média .O personagem Rufino , de JURA ARRUDA , é a representação de todos aqueles a quem a sociedade despreza , humilha e até mata : OS MORADORES DE RUA . CONFIRA : "Um homem se conhece pelos sapatos . Não é o caso de Rufino , cujos pés andam metidos num rascunho de calçado . E assim é desde pequeno , quando herdava pisante e fungos do irmão mais velho . No começo , números a mais , pé folgado e úmido . Depois , aperto . Rufino anda pela cidade com os pés metidos numa relíquia , um 'Bamba' da década de 80 , fiapos do que foi , um dia , tênis . Melhor que descalço . Porque descalço não combina com a calça social que Rufino usa . Tênis combina ? Se houver estilo , sim . Rufino tem estilo ? Não , ele não tem . Rufino tem o estilo que lhe dão . Mora na rua desde cedo , nunca se meteu a cheirar cola , fumar crack ou que quer que lhe oferecessem os amigos do coração . Rufino é o que se pode chamar de contradição ambulante . Digo isso sob o julgo de uma sociedade que não entende o que não seja regra e convenção . Vivemos num emaranhado de regras , como as que dizem que calça social deve ser usada com sapato . Rufino mescla a velha , mas ainda boa , calça com um velho e surrado tênis do qual não ouso explicar a cor . Rufino anda pelas ruas , a despeito de seu calçado , distribuindo gentilezas . Se os pés geram preconceito , os olhos de Rufino , quando conseguem se sobrepor à barba de dias e ao emaranhado do cabelo marrom de sujo , refletem o mais doce dos seres . Rufino perambula pelo centro da cidade porque não tem casa , nem trabalho . Mas não dá trabalho . Não pede dinheiro , não pede comida . Rufino não precisa estender a mão para receber compaixão . Seu calçado velho , de homem de rua , levam-no à faixa de pedestre para ajudar ao senhor de andar lento , apoiado sobre a bengala , à moça grávida , que arrasta consigo mais três filhos . Rufino é gentileza o tempo todo , e por troca , sempre recebe uns trocados ou um lanche . Rufino não pede nas ruas , apenas recebe de volta o carinho que transmite . Sim , um homem se conhece pelos sapatos . Rufino não é rico , não ocupa um cargo importante de uma grande empresa , não é atleta , nem está de férias . Rufino é morador de rua e tem unhas sujas , que podemos observar por um dos rotos do velho Bamba . Sua aparência vende uma imagem que nem de longe reflete o que é Rufino por dentro . Eu , do conforto do meu sapato novo , sentado na praça central , vejo aquele homem mais uma vez , com o sapato que , acredito , ele não tire nem para dormir , penso no sentido da vida , nos passos que levaram Rufino a ser o que é , e ser tão diferente de todos que como ele vivem . Rufino parece um profeta , mas não brada ao vento ; Parece mendigo , mas não pede esmolas ; Parece paupérrimo , mas não apresenta uma única ruga de preocupação . Rufino é uma alma própria metida num calçado velho . Aparências enganam . "

Nenhum comentário:

Postar um comentário