Talentoso cantor e compositor ; dono de sucessos como EU VOU TIRAR VOCÊ DESSE LUGAR , CRISTO QUEM É VOCÊ , UMA VIDA SÓ , DEIXA ESSA VERGONHA DE LADO e FILHO DE JOSÉ E MARIA ( esse último , uma ópera-rock ) ; injustamente taxado por muitos como um dos "reis da música brega " e uns dos raros cantores a na década de 70 rivalizarem com ROBERTO CARLOS , pelo menos em matéria de vendagens de discos , o goiano ODAIR JOSÉ - quando questionado a respeito de seu trabalho - costuma se auto definir como " UM REPÓRTER DO COTIDIANO " e o mesmo poderia ser dito a respeito de um carioca chamado João Paulo Emílio Cristóvão dos Santos Coelho Barreto ou tão somente JOÃO DO RIO ( 1881-1921 ) .......Mulato , gordo e homossexual assumido , aos 21 anos de idade acabou tendo frustado o seu sonho de ser diplomata . Se o corpo diplomático brasileiro acabou perdendo - em virtude de um preconceito imbecil - um possível negociador habilidoso , competente e inteligente a literatura nacional acabou ganhando um gigantesco reforço ! Elegante ( tanto na maneira de se vestir quanto nas de escrever e de se comportar ) , foi autor de 25 livros , um ''mortais " da ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS entre 1910 e 1921 , jornalista , dramaturgo , tradutor e sem sombra de dúvida um dos mestres brasileiros daquele gênero literário tão informal conhecido como CRÔNICA . Com a sua elegância habitual João do Rio conseguiu - a exemplo de NELSON RODRIGUES ( 1912-1980 ) - descrever e traduzir com maestria a alma e o cotidiano do povo carioca e também , de certa maneira , do próprio povo brasileiro .......Certa vez , acompanhado de um amigo chamado EDUARDO e caminhando próximo ao cais do antigo porto do Rio de Janeiro , João do Rio reproduziu a seguinte fala : " Para o serviço ! Dois mil réis , só dois !.....Eu tenho família , mãe , esposa , quatro filhos menores . Ainda não comi hoje ! Olhe , tenho aqui uns anéis .....não gosta de anéis ? " .......
A opinião de João do Rio a respeito disso : " O Rio tem também as suas pequenas profissões exóticas . produto da miséria ligada às fábricas importantes , aos adelos , ao baixo comércio ; o Rio ,como todas as grandes cidades , esmiúça no próprio monturo a vida dos desgraçados . "........O vendedor em questão era um cigano e o possível cliente era um trabalhador do porto e a crônica - intitulada " PROFISSÕES EXÓTICAS " - foi publicada no jornal carioca GAZETA DE NOTÍCIAS no longínquo 6 de agosto de 1904.......Já se passaram longos 112 anos desde que essa crônica foi publicada e essa situação continua mais atual do que nunca : verdadeiros exércitos de desempregados ou de pessoas de vida errante tirando o seu único e magérrimo sustento na dita ECONOMIA INFORMAL . Mais do que o retrato da crise - não só econômica como também em todos os setores , inclusive na questão MORAL E DE VALORES - que assola o Brasil já há algum tempo , isso também reflete a incrível capacidade que um povo tem de superar as dificuldades e sacrifícios do cotidiano nosso de cada dia com muito humor - rindo de suas próprias desgraças e defeitos - e , acima de tudo , com MUITA CRIATIVIDADE .......Na crônica de hoje o escritor são chiquense revela o seu lado JOÃO DO RIO e nos apresenta alguns desses verdadeiros artistas das ruas ......CONFIRA :
"Quando vi aquele pessoal todo em um círculo na praça, não pude deixar de me
aproximar. Um camelô, certamente.
Para mim, esses vendedores de rua fazem parte do
visual de cidades grandes.
Combinam com os ruídos que vêm de todos os lados, carros,
auto-falantes, locutores de portas de lojas.
Praça sem camelôs é praça triste, sem vida. E
atraem passantes, choferes de táxi aguardando a próxima corrida, aposentados que se
reúnem na praça ( ABAIXO ) e gente que sai de casa para curtir o dia de sol.
Camelôs nascem com o dom da palavra fácil, são tagarelas, não podem deixar de falar
porque as pessoas irão embora, deixando-os a falar aos bancos e aos pardais da praça. Por
isso se costuma dizer: Fulano fala mais
do que o homem da cobra. Mas não há apenas o
homem da cobra, há toda uma diversidade de ' showmens ' populares ( ABAIXO ) . Eles sabem criar um
clima.
Depois de envolver os passantes com sua conversa ininterrupta e divertida, deixam
em suspenso o ato principal, o chamariz, seja passar por dentro de um arco de fogo
ou meter
a mão na boca da cobra. É hora do comercial, ou seja, da venda de unguentos, pomadas e
afins. É preciso pagar a permanência no hotel.
Era hora de almoço. Eu pretendia ir num desses restaurantes populares ( ABAIXO ) , de comida
caseira, outro signo de boas cidades.
Adiei o almoço para dar uma olhada. Desta vez era um
mágico, o único mágico de praça do país, conforme suas palavras.
Me posicionei um pouco
atrás do grupo a fim de observar as pessoas. Gosto de estudar suas reações.
As piadas e chistes do cara, provavelmente repetidos em todas as cidades visitadas,
eram mais interessantes do que suas mágicas, essas do repertório de qualquer mágico
iniciante.
Mesmo assim, impressionavam as pessoas. Procurei visualizar bem suas mãos,
quando fazia desaparecer um lenço entre elas. Não consegui descobrir o truque.
Ao meu lado, um senhor humilde ria desbragadamente por entre meia dúzia de dentes.
Crianças, interessadas no espetáculo, se postavam bem na frente do círculo de pessoas. O
fulano parecia um Renato Aragão ( ABAIXO ) dos pobres, procurando atingir todos os ouvidos com as
cordas vocais já um tanto cansadas.
Veio o indefectível truque do relógio quebrado em pedacinhos dentro de um pano preto.
O jovem que emprestara o relógio sorri sem jeito.
E agora ? A plateia se diverte.
Veio a
promessa de tirar um coelho de dentro de outra sacola. Tudo ficando naturalmente para o
final da sessão. Hora de vender as poções milagrosas.
Não esperei o final. A fome estava apertando. "
Nenhum comentário:
Postar um comentário