terça-feira, 23 de julho de 2013

Momento lírico:Atrasos

Como já é tradição trazemos mais um texto lírico de RITA DE CÁSSIA ALVES,desta vez um pequeno conto carregado de amor e paixão: "Personagens se amavam. Lua e outono, filme na tela. Olhos sem maturidade. Roteiro precoce para quem chegou tarde. Eva está no cinema, vem descansada. O cansaço estava na alma. Nem um bilhete avisou que seu corpo e o dele não se aconchegariam mais. Sabia da solidão, esta íntima criatura que se assemelha ao telefone que não toca. Queria ter dito a ele que estar dentro da paixão a deixava em movimento. A carne ultimou as urgências do agora e ela ri. Sentia um medo de estar com todos e ter deixado sua completude no outro. Adorava tartarugas, que sempre chegam porque tardam. O afeto deles veio numa hora desencontrada. Se tivesse de compará-lo, ele seria uma enguia. Escorreu seus guardados. Viveram pela metade. Entendeu que não aconteceu o verdadeiro encontro, já que as fugas alcançam o homem em suas conchas, covas, escritórios, camas, redes, berços. Ai daqueles que viram o rosto para ocasos e acasos amorosos, pensou. Associou o apaixonamento pelo viés de outras bocas, salivadas com o pôr-do-sol que amanhece os amantes cansados; que agasalha filhos sonolentos; que inspira poetas; que traz loucura aos que enrubescem. Gritou para dentro : - Amar é possuir um mapa desavisado entre as pernas e os pés. Tirou os sapatos. As luzes se acenderam. Já não era ela, era um manequim sem vitrina, sem atributos nem roupagem. Deixou seu amor isolado dos aplausos. Despiu-se do belo que está sempre carregado de espanto."

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