terça-feira, 1 de outubro de 2013
Contos de Joinville: Dueto
Mês novo e uma nova estréia no ALAMEDA CULTURAL....A seguir um conto de autoria da jornalista e escritora VANESSA BENCZ.CONFIRA:
"Meu pai adora cantar. Cresci ouvindo música junto com ele. Desde pequena, acompanhava papai ouvindo rock and roll e música clássica – uma contradição que descobri mais tarde ser a parte doce da sua personalidade. Depois de ouvir as músicas, ele continuava cantando aquelas letras, aquelas melodias e estalava os dedos no ritmo. Minutos depois ele não lembrava mais das letras: e aí é que ficava legal.
Meu pai inventava letras para que a coisa não ficasse vaga. Lembro de algumas vezes em que ele cantarolava seus pensamentos no ritmo de “Shine you crazy Diamond”, do Pink Floyd.
Certa vez, narrou o processo de fazer a barba ao balanço de “Black and White”, do Michael Jackson. Ele me ensinava a fazer minha barba feita de espuma.
Mas o momento que mais me marcou foi ele me pedindo desculpas no ritmo de Bolero de Ravel. Esta canção não tem letra, é uma harmonia orquestrada maravilhosamente. Seguindo o ritmo daquelas flautas e violinos, ele cantou:
Filha, minha filha, desculpe o papai! O papai errou, o papai é bobo, sou apenas um homem com um coração gigante que te ama muito! Filha, filha, saia do quarto e venha ver a cara de cachorro arrependido do papai, venha rir seu riso gostoso no meu ombro!
Foi impossível não sair do quarto e abraçá-lo. E entrei na brincadeira. Cantei uma resposta, seguindo as notas do bolero:
Pai, meu papai, seu ursão bobo! Nunca mais fale coisas sem pensar!
Nosso abraço foi tão gostoso, que nossos corações pareciam batucar a percussão da canção, juntinhos.
No final da minha adolescência, papai certa vez ficou furioso comigo. Eu não tenho coragem de escrever o motivo aqui. Mas enfim, precisava pedir desculpas. Bati na porta do seu quarto e inventei, espontaneamente, uma paródia do hino nacional. Isso mesmo, aquele do “Ouviram do Ipiranga, às margens plácidas”… Toda essa letra rocambolesca foi trocada por uma narrativa triste de arrependimento. Ganhou o tom e a cor de um pedido de perdão. O hino nacional ficou azul claro, cheio de flores tristes.
E ele me perdoou, a propósito.
Hoje em dia, adoro observar meu pai cantando. Principalmente quando ele mira o horizonte do mundo e canta as palavras que voam de seu coração até sua boca. Ele fica com duas profundas rugas desenhadas na vertical, entre suas sobrancelhas. Os olhos verde-claros parecem ver aquilo que só quem canta, vê. Esses dias, fui obrigada a interromper:
- Pai, qual foi a letra de música mais legal que o pai já inventou?
- Tu e teus irmãos!
Fui para o banheiro e chorei um Legião Urbana."
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