"O sujeito vivia modestamente, em contato com a natureza (de forma limitada, é claro, visto que o melhor da natureza é privilégio dos ricos). Às vezes, para se distrair, fabricava um objeto, cuja matéria prima ia buscar no fundo da floresta, de uma árvore que só ele conhecia, a alevia bundiforme. Deu à sua fabricação um nome esquisito: “malotrincho” que, no antigo dialeto norático, significava “que não serve para nada”. O malotrincho possuía forma indescritível, razão pela qual estou impossibilitado de descrevê-lo.
O que mudou tudo, como acontece nos filmes e novelas, foi uma mulher. Uma mulher bonita, como nos filmes e novelas. Tinha cabelos mais negros do que a asa da graúna e lábios doces como gotas de aspartame. Só não tinha um talhe de palmeira por ter sido abençoada com deliciosas curvas e reentrâncias.
O homem rico (e meio coroa) queria para si a mulher bonita, ofereceu de tudo. Mas a mulher não desejava ser modelo, nem atriz de novela, por isso dispensou a proteção do homem rico. Gostava mesmo era do sujeito pobre.
– O que ele tem que eu não tenho? –dizia furioso o homem.
– Você não sabe fabricar malotrincho!
– Malotrincho? Que diabo é isso?
A mulher explicou pacientemente: malotrincho era algo inexplicável, entendeu?
– Não entendi, mas não interessa. Não sei fabricar, mas posso comprar. É isso, vou comprar toda porra de merdotrincho que ele fizer, você vai ver! – exclamou o homem num rompante de arrogância.
No outro dia, mandou seu secretário com o advogado sondar o sujeito. Tanto fizeram que conseguiram celebrar um contrato de compra exclusiva de malotrinchos. Toda produção seria comprada. Fizesse um milhão de objetos, tava com o dinheiro na mão.
O sujeito, surpreendido, não acreditou muito, mesmo assim viu que toda semana o secretário ia lá, contava os objetos produzidos, entregava um cheque e os levava embora. Pomba, que negócio bom, pensou. Começou, então, a dobrar, triplicar sua produção. O homem rico comprava tudo sem pestanejar.
O fabricante já nem tinha tempo para se alimentar, suas horas de sono eram mínimas; assim, sua capacidade de trabalho chegou ao limite. Teve, então, a ideia de contratar o trabalho de outras pessoas. Aos poucos, sua humilde casa transformou-se em oficina, virou uma colmeia, com o movimento constante e barulhento dos malotrincheiros: uns saiam para colher matéria-prima (colocaram abaixo a floresta dealevias bundiformes.); outros aqueciam o material em grandes fornos; uma equipe dava forma ao objeto e outra procedia aos retoques finais. O fabricante havia descoberto que assim a produção tornava-se maior, o que significava mais lucros em seu bolso. Só que, para disfarçar, deu a isso o nome de racionalização do trabalho.
Para controlar a produção, bem como as receitas e despesas, foi necessário contratar outras pessoas, que nada produziam, mas garantiam o funcionamento de todo o sistema. A burocracia, um mal necessário, dizia. Com isso, naturalmente, o preço do malotrincho teve de sofrer um pequeno reajuste.
O homem rico achava-se já com um enorme galpão atulhado de malotrinchos. E a cada dia chegavam mais. O que fazer com tantas bugigangas?
Já estava arrependido do negócio, nenhuma mulher, mesmo tendo os cabelos mais negros, etc.,etc., valia tanto assim. Seus representantes tinham arbitrado uma multa astronômica para a parte que rompesse o contrato. Consultou, então, o homem de propaganda, que lhe garantiu dar um jeito na situação.
– Que jeito?
– Vendendo tudo, uai!
– E quem vai querer comprar esta m... de objeto que não serve para nada?
Então o homem de propaganda iniciou uma campanha associando a imagem do malotrincho às coisas mais agradáveis: mulheres, carros, saúde, lindas paisagens, altos salários...”Venha ao paraíso de malotrincho”.
Depois de um tempo (e alguma grana aplicada), o malotrincho tornou-se o objeto mais necessário do mundo. Homens, mulheres, crianças, todos sentiam-se frustrados se não possuíssem o seu. E o preço de venda tornou-se uma fábula. Os empregados do fabricante, aproveitando o desconto de 2% que lhes era facultado, comprometiam o ordenado para adquirir o sagrado objeto que eles próprios, vejam só, produziam em poucos minutos.
E assim o fabricante de malotrinchos ficou rico; o homem rico, mais rico ainda e os consumidores satisfeitos. E a mulher bonita? Acabou fugindo com um marinheiro jamaicano que bebia pra caramba. O que se precisa mais para um final feliz?
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