quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Crônica Unissex

O cenário dessa história foi a redação do jornal carioca A RUA e a época foi o longínquo ano de 1914 : como se não bastasse o fato de aquela mulher ser muito jovem e bela - tinha apenas 16 anos ( era oriunda de  Minas Gerais , onde nascera em 1898 ) - a função para a qual fora contratada com certeza deixou todos os jornalistas ali presentes surpresos , incrédulos e boquiabertos......UMA MULHER REPÓRTER ? Essa era a pergunta que todos ali se faziam . Em uma época em que o papel da mulher na sociedade era praticamente nulo , resumindo-se a ser completamente submissa e a ser uma boa esposa e mãe , praticamente enclausurando-se em casa , aquele acontecimento era um ato não apenas pioneira como de verdadeira ousadia......Na verdade não chegava a ser algo inédito : já século 19  mulheres - poucas , é verdade -  , como JÚLIA LOPES DE ALMEIDA , CORINA COARACI e EMÍLIA MONCORVO BANDEIRA DE MELLO já haviam se aventurado em jornais , não como jornalistas profissionais , mas sim como contistas , folhetinistas e poetisas , e isso era o máximo que uma mulher naqueles distantes tempos poderia aspirar no mundo do jornalismo......Pois logo surgiu um boato a respeito de EUGÊNIA BRANDÃO , a primeira repórter brasileira , ou REPORTISA , como se dizia na época : de repente ele havia entrado para um convento , o ASILO BOM PASTOR .
      Mas o que havia levado uma mulher tão jovem e tão á frente de seu tempo a tomar uma decisão como essa ? Religiosidade ? Um suposto chamamento divino ? Alguma desilusão amorosa ? Nada disso : espertamente essa foi uma maneira encontrada para que Eugênia entrevistasse uma mulher que ali vivia . Tratava-se da irmã de uma mulher que havia sido assassinada , em um caso que ficou conhecido como " o crime da rua Doutor Januzzi , 13 " . A entrevista acabou gerando uma série de reportagens , publicadas entre 15 e 20 de maio de 1914 , gerando uma repercussão gigantesca e também acabou fazendo com que o jornal carioca satírico A CARETA publicasse os seguintes versos - em linguagem caipira - a respeito de Eugênia : " Apareceu aqui no Rio / Um jorná que chama Rua / Um jorná que sae a noite / quando está nascendo a lua / (....) Tem uma moça bonita / que o cabelo traz cortado / Usa chapéo como os home , / Tem cada um oio damnado . " ......Passaram-se 101 anos , muitas coisas mudaram  - felizmente para melhor - e casos como o que acabamos de descrever hoje são curiosas notas de rodapé nas páginas da história e a leitura e o conhecimento , ainda mais coma internet , estão ao alcance de todos . Na crônica de hoje o irreverente HILTON GORRESEN não só aborda a velha questão machismo-feminismo como também dá uma verdadeira aula de Português , incluindo uma mini aula de latim ! CONFIRA :

"Sempre que escrevo estas crônicas me assalta certa dúvida : não sei se

estou me dirigindo mais ao público masculino ou ao feminino .


Onde me

refiro ao leitor , talvez tivesse que escrever leitora .

 Ou diplomaticamente ,

como certo ex-presidente da República ( ABAIXO , JOSÉ SARNEY ) , devesse escrever : leitoras e leitores .


Outra opção seria usar uma expressão utilizada atualmente : caro (a) leitor (a) .

Acho horrível essa última . Elimina toda a intimidade , toda a aproximação

que os cronistas pretendem com seus leitores . Dá ideia de um carimbo, que

serve para todo tipo de documento .


Machado de Assis ( ABAIXO ) , em algumas de suas obras , costumava dirigir-se às

leitoras , provavelmente porque eram elas, na época , que mais se deleitavam

com a leitura de romances .


Sei que as feministas se revoltam com o que pretendem ser um

preconceito , do qual bastam poucos exemplos :

 se numa classe existem 50

meninas e um só menino , todos vão ser classificados como alunos .


 Se uma

mulher se destaca na Câmara , certamente será mencionada como o melhor

vereador .


Mas vamos encarar essa situação de outra maneira : como um

privilégio , uma distinção dada às mulheres .

Não , não estou falando besteira.

Algumas vezes a palavra masculina , principalmente no plural ( alunos ) ,

corresponde ao antigo neutro do latim ( ABAIXO , LIVRO ESCRITO EM LATIM ANTIGO )  , servindo , portanto , para os dois sexos .


Algo assim como alunum ( quem passou pelas aulas de latim sabe que o

famigerado neutro sempre termina em um ) . Portanto, seria difícil ter passado

ao português como forma feminina ( ' aluna '  ) .


Os nomes femininos , para serem diferenciados , foram acrescidos de

uma terminação , que se denomina desinência .

Desse modo , os elementos

femininos podem figurar em duas classes : o feminino ( aluna ) e o neutro

( aluno ou alunos ) , o que não acontece com os marmanjos .


Uma vendedora ,

por exemplo ,

pertence à classe geral dos vendedores e à classe particular das

vendedoras , onde nenhum marmanjo pode colocar o pé .


 É como se as

meninas pudessem participar do clube do Bolinha ,

 mas os meninos não

pudessem fazê-lo no clube da Luluzinha .

Responda , leitora , isso não é um

privilégio ?

Como nas crônicas pretendo dirigir-me à individualidade dos leitores ,


optei por expressar-me considerando a forma singular masculina , mas com a

certeza de que estou publicando uma crônica unissex , dirigindo-me a todos ,

homens e mulheres deste imenso Brasil ( não exagera , cara! ) . "

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