"Seis e quarenta da manhã, uma fina e monótona chuva cai sobre a cidade, trazendo o prenúncio de um fim de semana triste e úmido.
No quarto de hospital, um livro de Friedrich W. Nietzsche cai das mãos de Alexander,
o impacto surdo do volume no chão, é acompanhado do contínuo sinal sonoro no aparelho de monitoração cardíaca. Sua esposa desperta num repente, mas antes de sair em desabalada, lembra das palavras de Alexander - por favor, não tentem ressuscitação na próxima vez. Com os olhos lacrimosos caminha em direção à enfermaria, para comunicar o ocorrido.
minutos antes de se entregar ao sono definitivo, imagens e recordações ressurgem em sua mente, trazendo breves momentos de tristeza e alegria: o nascimento de seu filho,
a comemoração do primeiro ano de casamento, o falecimento de seu irmão caçula, entre outros episódios que culminam sua mente, em forma de projeções sucessivas.
Não nascemos com nossos destinos traçados, tão pouco com data e hora predestinados para morrer. Somos responsáveis por nossos atos, possuímos em mãos o livre arbítrio. somos livres para pensar e fazer tudo o quanto desejamos,
sem interferência divina ou de qualquer outra natureza, e por consequência, nossas ações no presente construirão parte de nosso futuro, e acima de tudo, devemos nos considerar seres efêmeros, constituídos de uma matéria fraca ;
esta filosofia era sua bíblia.
Após a benção final do padre, sua esposa declarou a vontade de ler uma pequena carta escrita por Alexander - somos arquétipos de sentimentos, ignorando ou fingindo ignorar as perdas de entes queridos, arrancados de nossos meios, durante o curto espaço de tempo vivido neste magnífico e azul corpo celeste. O mais impressionante em nós cristãos, é quase sempre permitirmos, que um livro escrito por um bocado de homens,
comande parte de nossas vidas, sem realmente questionar a lógica. Para Nietzsche: Deus está morto, para Shakespeare: a morte é um estranho mundo de onde viajante algum jamais voltou; sentirei saudades .
Mas faltava realizar os dois últimos pedidos que Alexander pedira com grande veemência para sua esposa, sempre quando tocavam no assunto relacionado à morte. Concluído as despedidas, seu corpo foi cremado e alojado em uma urna.
A morte de Alexander já era esperada, conforme prognósticos médicos, mas contudo em parte da família, ainda reinava a esperança, antes daquele fatídico dia. Principalmente para seu filho,
que sempre se espelhara em Alexander, por tratar-se de um homem indômito, capaz de realizar todos os desejos idealizados.
A vontade de perenizar o tempo, tanto nos momento de amor, alegria e separação, é algo comum para todos nós, jamais conseguiremos nos tornar invulneráveis à estes momentos. Chegava a hora de atender ao segundo e último pedido, sua esposa apertando a urna contra o peito, soluçava em meio à lágrimas e exclamações ininteligíveis, denotando a dor e amparada pelo filho, embarcaram no carro rumo à baía da Babitonga.
O barco adornado com coroas e flores, flutuava suave e tranquilo. Após embarcarem, partiram para a ilha de Murta.
Ao chegarem no destino, a embarcação rumou para o norte da ilha, parando a´poucas centenas de metros, ela depositou a urna na água e falou: realmente meu querido, somos apenas passageiros, neste magnífico e azul corpo celeste. Em seguida foram atiradas as coroas de flores, tudo transcorreu em silêncio, ouvindo-se apenas o impacto dos adornos florais na água. Ao tocar o fundo, passou à ser velada pelo imenso mar."
Nenhum comentário:
Postar um comentário