"Não chego assim de repente, invadindo as peles ainda pouco cobertas e com cheiro de frutas colhidas, posto que era tempo de colhê-las. Deixo que se deleitem com o sumo, que chutem as folhas e as percebam em nuances de cor.
Deixo que se acostumem com as nuances para que a passagem deslize pelos braços descobertos e as pernas expostas até que alguém se abrace a si mesmo, atente para as peles em calafrios e mire os bichos que já sabem que algo acontece, pois se aconchegam.
Aí me instalo de mansinho, com uma brisa leve e fria, um chuvisco daqueles que enganam bobos e inteligentes, e molham de dentro pra fora.
Viro assunto de quase todas as conversas e reclamações (mais as últimas do que as primeiras), com pessoas a falar com a boca baixa, às vezes com vapor enevoando as palavras.
Há dias em que sou de sol e de azul, muito azul e muito sol, mas que não esquenta muito, não,
e mesmo assim as ruas recebem gente a caminhar por entre casacos
e sorrisos, e as crianças, ao sair da escola, fazem mais algazarra e correm mais, coloridos gorros, cachecóis e jaquetas meio inúteis ao sol de meio dia, a agitar-se ao som dos gritos. Servem à coreografia de ser criança.
Em noites adormecidas,
em que a brisa descansa e as estrelas pendem costuradas ao céu, viro escultor de cristais em ramos secos e folhas de orvalho. De cristais, também faço espelhos em poças d’água. Efêmeros espelhos para efêmeras belezas. Penduro pingentes em cercas e pinto campos e morros da brancura da inocência, até que o sol ressuscite o verde que ficou coberto.
Meu tempo é o tempo do encontro, não no descompromisso alegre do calor, na maturidade solene do tempo dos frutos e das quedas ou nos campos despertos, espalhados de arco-íris e pólen nos ares, mas no aconchego da dança da chama e dos agasalhos tirados dos exílios dos armários.
Meu tempo é o tempo é do sono da parreira, a urdir vinhos de encontro. É o tempo da semeadura dos pinheiros, para que seus frutos virem alimento e festa .
Meu tempo traz as tainhas para pratear as praias e dar sorrisos aos companheiros do mar.
É um tempo curto: em setembro, preciso ir-me, que vem minha irmã mais nova, e vem florida
e os pássaros farão ninhos e farão amor. E eu descansarei por ter velado o descanso da terra . "
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