Com histórias escritas no estilo genuinamente rodrigueano - com muita traição , morte , adultério , drama e deturpações do comportamento humano - ninguém desconfiava que Suzana na verdade era Nelson e apenas alguns poucos funcionários do setor do jornal onde ele trabalhava sabiam disso . E por que o pseudônimo ? Pelo fato de Nelson a princípio não querer escrever aquela coluna e a tal Suzana Flag era uma suposta escritora estrangeira , o que atrairia o interesse do público . Para a surpresa de todos , as histórias de Suzana Flag triplicaram as tiragens de O Jornal e passaram também a ser publicadas em outros jornais que integravam os Diários Associados . O sucesso foi tão estrondoso que Nelson iniciou naquele mesmo ano de 1944 um novo folhetim chamado ESCRAVAS DO AMOR , em 1946 escreveu uma autobiografia de Suzana Flag , cuja "história de vida " era tão dramática e intensa quanto as histórias que contava e até 1953 Nelson escreveu mais 3 folhetins - NÚPCIAS DE FOGO , O HOMEM PROIBIDO e A MENTIRA - que mais tarde transformaram-se em livros . O surpreendente sucesso das histórias da fictícia Suzana Flag deram gás a um gênero literário que andava um tanto esquecido ; O FOLHETIM . Surgido nos jornais da França , no século 19 , traz histórias divididas em capítulos , com um tipo de narrativa ágil e que prende o leitor e são uma consequência do próprio desenvolvimento do JORNALISMO : de uma atividade exercida por escritores , poetas e bacharéis para um restrito grupo de pessoas letradas , o Jornalismo tornou-se uma atividade profissional , um meio de comunicação de massa e os folhetins foram uma maneira encontrada de aumentar esse público ; sendo que as radionovelas , as tão populares telenovelas e os livros de romance policial são " filhotes " dos folhetins . Na crônica de hoje HILTON GORRESEN revela o seu lado de dramaturgo , e como não poderia deixar de ser , toda história escrita por ele tem que ter muito bom humor ! CONFIRA E DIVIRTA-SE :
" – Me dá esse documento, desgraçado!
– Só se for por cima do meu cadáver.
– Pois é isso mesmo que pretendo fazer. Me dá o documento!
– Não posso. Ele só deve ser descoberto no final.
– E o que ele tem de tão importante assim?
O outro adota um ar de importância:
– Você não sabe? É uma carta da mãe Dolores declarando que Albertinho é filho da freira Maria Helena e neto do barão de Monteverde.
– E o que aconteceu com o tal Albertinho, neto do barão?
– Foi criado pela mãe Dolores, uma antiga escrava.
Conhece a história da Branca de Neve? Pois bem, o avô mandou que um serviçal levasse o neto recém-nascido para a floresta
e sumisse com ele. A mãe Dolores conseguiu salvá-lo e fugiram para um local distante e não sabido. Hoje, ele é um médico famoso,
mas pobre. Dedica-se a tratar dos pobres e oprimidos.
– E o pai desse altruísta?
– O pai
não concordou com seu nascimento. Não quis assumir a paternidade e abandonou a pobre amante. O barão, quando soube da gravidez, isolou-a numa de suas fazendas até o nascimento da criança. Depois, obrigou-a a entrar para um convento.
– Mas é preciso que se saiba a verdade. Albertinho está apaixonado pela Isabel
e não sabe que se trata de sua irmã paterna, os dois têm o mesmo sangue. Isso é incesto.
– Não é o momento para isso. Ainda restam muitos capítulos pela frente. Você quer estragar a novela?
– Estou me lixando para sua novela. Quero apenas restabelecer a verdade. Esse barão desgraçado
tem de reconhecer o neto. Maria Helena
tem de sair daquele convento onde está desperdiçando a beleza que ainda lhe resta.
– Fica frio. Não se precipite. No final tudo vai dar certo. Todos os vilões serão punidos. Os bons terão sua recompensa.
– E por que eles têm de sofrer até o último capítulo? Tudo por causa de um maldito documento desaparecido. Isso não cola mais hoje em dia. Hoje temos CD, pendrives ( ABAIXO ) ,
impressoras multifuncionais.
– Mas as pessoas continuam as mesmas. Querem acompanhar as vicissitudes dos mocinhos, odiar os vilões e suas malvadezas. Ficar na expectativa do ajuste final. Milhões de pessoas esperam todos os dias as emoções sempre renovadas da novela para compensar simbolicamente a monotonia de suas vidas . ( ABAIXO , SINHOZINHO MALTA E VIÚVA PORCINA , DOIS DOS PERSONAGENS PROTAGONISTAS DA NOVELA " ROQUE SANTEIRO " , DE 1985 )
A vida na novela é outra, diferente de nossa vida cotidiana. A vida ali é mais convincente do que a vida real. Você quer decepcionar essas pessoas?
– Mas isso é alienante. As pessoas se iludem com essas vidas fabricadas por um escritor. Acham, cada vez mais, que suas próprias vidas nunca serão tão fascinantes como aquelas vidas na telinha.
Copiam estilos, modas e vocabulários dos personagens. E, além disso, fecham os olhos para a nossa realidade social, para a exploração, inflação,
impostos, falta de educação, de segurança. Não acompanham as notícias, não protestam. Continuam acomodadas aos ' status quo ' .
– E o que têm os criadores de fantasias com isso? Eles dão ao povo o que o povo quer. Já ouviu falar em ' pão e circo ' ? Dê cerveja e futebol
a um pobre coitado, sem chances na vida, e ele se sentirá naquele momento o mais ditoso dos mortais.
– Mas vamos acabar com este papo. Eu quero o maldito documento.
– Eu já te disse: só por cima do meu cadáver.
O outro levou o braço direito para trás e tirou do bolso traseiro um
Taurus 38.
Taurus 38.
– Se é assim que você quer... "
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