É , amigos , faltam apenas 4 dias para o Natal e nesse clima especialíssimo que já está nos contagiando , trago os seguintes versos : " O presidente é um lorde inglês / Sonhando com o primeiro mundo / Ser presidente até que é um bom emprego / Num país de vagabundos / Já foi marca de cigarros / De conhaque e de cachaça / O presidente é a maior palha / E ainda vai virar fumaça "......Ahá , enganei você ! Os versos em questão são da música " PRESIDENTE MAURICINHO " , de 1991 e uma "sutil e carinhosa homenagem " feita por João Luiz Woenderbag Filho , ou melhor , LOBÃO ( ABAIXO )
( Por favor não confundir aquele Lobão das antigas com o reacionário atual ; por sinal existe um ótimo vídeo no Youtube em que o eternamente polêmico cantor-compositor carioca canta - com toda a irreverência e sarcasmo típicos do antigo Lobão - essa música no mesmo ano em que foi lançada e em um evento promovido pela Brahma ) ao então mais ilustre ocupante da CASA DA DINDA : FERNANDO AFONSO COLLOR DE MELLO ( ABAIXO ) .....
Se ao invés de Lobão essa música tivesse sido composta e gravada por alguém que tenha tido a sua juventude entre as décadas de 20 e 50 ( em tempo : Lobão nasceu em 1957 ) muito provavelmente não teria chamado o "queridíssimo " ex-presidente de "Mauricinho" ( gíria usada para se referir àquele típico garoto de família rica mimado e sempre bem vestido- ABAIXO - ou a alguém cheio de frescuras )
mas sim de "ALMOFADINHA " e é bem provável que ele também tenha usado - e muitas vezes - a fonte de inspiração para essa gíria , que hoje em dia está quase desaparecida e parece ter saído do tempo pré-histórico : O BONDE ( ABAIXO ) .
Hoje isso pode parecer surreal e até absurdo , mas várias expressões , que , por sinal , ainda estão muito presentes em nossas conversas , como " ANDAR NA LINHA " ( procurar ser correto e sincero ) e "DAR TROMBADA NA VIDA " ( essa expressão teve origem em um fato verídico : na década de 20 um ELEFANTE fugiu de um circo e acabou derrubando um bonde com a sua tromba ) também tiveram como origem esse meio peculiar de transporte que hoje é praticamente um item obrigatório em qualquer museu que se preze e ainda circula em algumas cidades , especialmente cidades antigas , Santos ( ABAIXO ) , Recife e Rio de Janeiro . Isso sem contar também gírias , como "PEGAR O BONDE ANDANDO " ( entrar no meio de alguma situação ou conversa em andamento ) ou " PERDER O BONDE DA HISTÓRIA "( perder-se no contexto de alguma coisa )......
Os primeiros bondes de que se têm notícia aqui em terras tupiniquins datam de 1859 : eles começaram a circular na então capital do Brasil , o Rio de Janeiro , e como naquele tempo inexistiam palavras e expressões , como ECOLOGIA , DIREITOS DOS ANIMAIS e POLITICAMENTE CORRETO e , por exemplo , CAÇAR PASSARINHO era uma das coisas mais naturais do mundo , o primeiro meio de tração a ser utilizado foi o BURRO ( ABAIXO ) , no bom sentido , é claro ( os pobres animais chegavam a trabalhar 18 horas por dia ) . A primeira empresa a explorar esse serviço tinha o longo e curioso nome de COMPANHIA DE CARRIS DE FERRO DA CIDADE À BOA VISTA e durou pouco tempo : em 1866 , após poupar os pobres burrinhos e trocar suas forças pela tração à vapor , essa empresa acabou indo á falência .
Com toda a curiosidade típica de um legítimo leitor , ou leitora do ALAMEDA CULTURAL , talvez você esteja perguntado : " QUAL É A ORIGEM DA PALAVRA BONDE ? " Bom , existem várias versões para isso mas a provável e aceita é a seguinte : a empresa que explorava esse serviço na cidade do Rio de Janeiro e que tinha o nome de BOTANICAL GARDEN RAILROAD emitia e entregava a seus passageiros bilhetes chamados de BONDS , o em inglês significa " TÍTULOS DE DÍVIDAS "( em tempo : apenas no Brasil esse meio de transporte tem o nome de BONDE - ABAIXO , MODELO DE BONDE QUE CIRCULOU NA DÉCADA DE 20 EM PORTO ALEGRE ) ........
O que a princípio era uma estranha e curiosa novidade restrita à então capital tupiniquim aos poucos acabou chegando a outras metrópoles , como São Paulo , Belo Horizonte , Vitória , Curitiba , Porto Alegre , Recife e Salvador e , de tão requisitado , chegaram a existir 6 modelos de bonde : CARADURA OU TAIOBA ( bonde de segunda classe , atrelado ao bonde principal , que custava metade do valor desse e que geralmente era usado no transporte de cargas - ABAIXO ) ,
BONDE DE CEROULAS ( era o bonde dos endinheirados : coberto de brim branco , conduzia seus afortunados passageiros a algum evento social ; em tempo : CEROULA era um antigo modelo de cueca e o nome do bonde era devido à sua cobertura pelo brim branco ) , BONDE-SALÃO ( restrito à cidade de Salvador , onde começou a operar a partir de 1911 , era outro modelo de bonde de luxo : conduzia autoridades ou passageiros rumo a casamentos e batizados - ABAIXO ) ,
BONDE CAMARÃO ( avermelhado , daí seu nome , tinha capacidade para 51 passageiros sentados- ABAIXO ) ,
BONDE CENTEX ( circulava exclusivamente na cidade de São Paulo , embora tivesse similares nas cidades de Olinda e Vitória : luxuoso , tinha até CALEFAÇÃO AUTOMÁTICA e era proibida a presença de homens SEM GRAVATA - ABAIXO )
e BONDE DOS MORTOS ( no bonde principal iam os parentes da pessoa falecida e no bonde rebocado , o ou a morto ou morta- ABAIXO ) .
Mal e porcamente comparando , uma cidade que fosse servida por bondes naqueles longínquos tempos era equivalente hoje a uma cidade servida por linhas de METRÔ : isso era uma espécie de atestado de PROGRESSO E MODERNIDADE ( ABAIXO , BONDE EM RECIFE , EM FOTO DA DÉCADA DE 20 ) .......
.Em 1910 Joinville ainda estava longe de ter o formidável poderio econômico dos dias atuais - embora indústrias , como DOEHLER , LEPPER e a hoje extinta STEIN já existissem - , era uma cidade pacata ( ABAIXO , A RUA DO PRÍNCIPE - ALAGADA - EM FOTO DE 1911 : O PRIMEIRO PRÉDIO À ESQUERDA É A ANTIGA PREFEITURA , HOJE PRAÇA NEREU RAMOS ) , tinha uma população de cerca de 25.000 pessoas , um território muito maior que os atuais 1.135 ,05 quilômetros quadrados ( na época Jaraguá do Sul , Corupá , Guaramirim e ainda partes de Massaranduba e Araquari faziam parte de Joinville )
e , embora uma elite luso-brasileira - ou "cabocla " - mandasse social , politicamente e economicamente na cidade , pela cultura , tradições , hábitos e língua da maioria de seus moradores , mais parecia uma pequena cidade perdida no bucólico interior da Alemanha ( ABAIXO , FOTO PANORÂMICA DE JOINVILLE , TIRADA EM 1920 ) ......
Mesmo sem ser uma cidade grande , Joinville era vitaminada e impulsionada por uma erva saborosa , de fortes poderes medicinais e conhecida dos índios guaranis há séculos : A ERVA-MATE . Todo o processo de cultivo , beneficiamento , venda e exportação da erva-mate iniciado a partir de 31 de maio de 1865 ( data em que chegou a Joinville o primeiro carregamento de erva-mate oriunda da região do planalto norte catarinense - ABAIXO , FOTO DA DÉCADA DE 60 DA ANTIGA ESTRADA DONA FRANCISCA , HOJE SC-301 : ERA POR ELA QUE VINHA A ERVA-MATE )
acabou dando origem a grandes fortunas , poderosos grupos comerciais , industrias e políticos de expressão , algumas empresas familiares e de "fundo de quintal " e , é claro , tudo isso acabou dando uma outra cara a Joinville , que , diga-se , foi planejada para ser um centro de produção de artigos agrícolas para exportação ( ABAIXO , UMA DAS PRIMEIRAS AGÊNCIAS BANCÁRIAS DE JOINVILLE , O BANCO NACIONAL DO COMÉRCIO : NESSE LOCAL , NA RUA JACOB RICHILIN , HOJE EXISTE O EDIFÍCIO BONEVILLE ) . Além disso , naquele tempo , Joinville já servida por uma estrada de ferro , um mercado público ,
um bom e movimentado porto ( ABAIXO , EM CARTÃO POSTAL DA DÉCADA DE 20 ) , ainda restritos sistemas de distribuição de energia elétrica e água , telefones , salas de cinema , um hospital público , uma quantidade razoável - para a época - de escolas públicas e ainda raros e abonados motoristas aventuravam-se a guiar seus "possantes " pelas ruas centrais da cidade , enfim , benefícios e comodidades que não os mais otimistas moradores de boa parte das cidades brasileiras sonhava ter !
SER SERVIDA POR BONDES ? Diante do que acabou de ser exposto , era só uma questão de tempo para que isso viesse a acontecer mas mesmo assim naquele final de 1910 deve ter sido comum misto de curiosidade e espanto , que muitas pessoas devem ter reagido a essa cena e se perguntado : " O QUE ELES ESTÃO FAZENDO ? ". Na cena em questão grupos de operários , nas principais ruas da cidade , abriam buracos à picareta e assentavam trilhos , ou 4.500 metros de trilhos , para ser mais exato ( ABAIXO ) .
Se essa cena já causava curiosidade , então o que dizer disso ? Oito BONDES PARA PASSAGEIROS E MOVIDOS A TRAÇÃO BURRÍSTICA , OPS ! , ANIMAL ( cada bonde tinha 6 bancos , com capacidade para 16 pessoas sentadas e ainda um carroceiro ) e mais 8 BONDES PARA TRANSPORTES DE CARGAS ......Como acontece aqui em terras tupiniquins desde sempre , é claro que os POLÍTICOS não poderiam deixar de tirar a sua "casquinha " : o transporte de bondes em Joinville acabou sendo inaugurado em 29 de janeiro de 1911 , com as presenças não só de políticos como também de empresários e de uma expressiva massa popular , talvez só comparável àquela que prestigiou a inauguração da estação ferroviária em agosto de 1906 ( ABAIXO ,A ESTAÇÃO FERROVIÁRIA EM FOTO TIRADA AN DÉCADA DE 1910 ) .
Pelo que este escriba sabe ( Algum historiador que por acaso esteja se aventurando a ler este texto que me corrija ! ) não existem fotos desse momento histórico mas mesmo assim é fácil imaginar essa cena : filas de bondinhos enfeitados e decorados com flores e bandeiras e conduzindo bandas de músicas e convidados ( os bondes , a princípio percorreram 9 ruas - ABAIXO , BONDE PASSANDO PELA RUA XV DE NOVEMBRO - , passando também pelo cais do porto da cidade e a estação ferroviária ) ......
A empresa que explorava esse serviço tinha o nome de FERRO CARRIL JOINVILENSE ; seus sócios eram GUSTAV GROSSEMBACHER , ADOLF TRINKS , LUIZ RITSMANN e BERNAHRD OLSEN e o horário de funcionamento do serviço era entre as 6 horas e as 21 horas , com intervalos de 20 em 20 minutos . A procura pelo serviço ( ABAIXO ) acabou sendo tão grande ( Só 30 de janeiro de 1911 foram vendidas 7.000 passagens ! ) , que a empresa teve que dividí-lo em duas linhas .
A primeira linha , percorrida por bondes com tabuletas amarelas , tinha o seguinte itinerário : RUA DO NORTE ( hoje João Colin ) - PORTO - RUA SANTA CATARINA ( hoje Getúlio Vargas ) , passando ou pela RUA DO MEIO ( hoje XV de Novembro , os bondes que passavam por ela tinha como indicação a letra M ) ou pela RUA CACHOEIRA ( hoje Princesa Isabel , os bondes que passavam por ali tinha a letra C ) - RUA DO PRÍNCIPE - RUA HUMBOLDT ( atual Marinho Lobo ) - RUA CONSELHEIRO MAFRA ( atual Abdon Batista ) - RUA SANTA CATARINA - ESTAÇÃO FERROVIÁRIA ( ABAIXO , PASSAGEIROS EM TREM NA ESTAÇÃO FERROVIÁRIA E EM FOTO DATADA PROVAVELMENTE DE 1913 ) .
Já a outra linha , percorrida por bondes com tabuletas vermelhas e com lanternas com vidro de cor no período noturno , era a seguinte : RUA DO NORTE - RUA ALEMÃ ( hoje Visconde de Taunay ) - RUA DOS ATIRADORES ( hoje Pedro Lobo ) - RUA DA ESCOLA ( hoje Padre Carlos ) - RUA CONSELHEIRO MAFRA - ESTAÇÃO DOS VAPORES ( existia na altura da atual rua Sete de Setembro ) . Também foram percorridas as seguintes ruas : DO PORTO ( hoje Nove de Março ) , BOUSSINGAULT ( Sete de Setembro ) e DO MERCADO ( Coronel Procópio Gomes ) . O valor da passagem da Rua no Norte até o porto , do porto até a estação ferroviária e de um percurso pela Rua do Príncipe ( ABAIXO , EM FOTO DE 1913 ) até a esquina com a atual Abdon Batista era o mesmo : 100 réis .
Aliás , esse serviço era tão organizado , que os passageiros também tinham outras opções : quem quisesse comprar cadernetas de 100 passagens , pagava 9 mil réis e quem optasse por um PASSE LIVRE , ou seja passagens para um mês inteiro , tinha de sacar de seu bolso a bagatela de 18 mil réis . Muito à frente de seu tempo , a empresa concessionária do serviço recomendava aos passageiros guardar seus bilhetes e ainda realizava sorteios desses bilhetes , com premiações variando 5 mil réis e 10 mil réis ( Alguma semelhança com as atuais promoções das companhias áreas ? ) .....
O quarteto de sócios - Gustav Groseembacher- Adolf Trinks-Luiz Ritzmann- Bernhard Olsen - tinha motivos para sorrir de orelha a orelha : aplicaram 85 contos de réis no negócio mas tiveram um lucro muito maior do que isso , faturando por mês em média 3 contos de réis - uma pequena fortuna na época - ou até mais do que isso......Porém , essa alegria estava com dias contados : em outubro de 1911 , inexplicavelmente , o período de intervalo entre os bondes aumentou de 20 minutos para 1 hora e em razão disso pessoas e famílias inteiras que lotavam os bondes , especialmente aos domingos , deixaram de fazer esses passeios ( ABAIXO ) .
Havia também outros problemas : o que a princípio era uma novidade virou rotina e se antes existiam raríssimos carros e caminhões em Joinville , aos poucos eles foram se multiplicando e ocupando o lugar dos simpáticos e lerdos bondes .
Resultado : em 10 de abril de 1917 aquele que foi o PRIMEIRO SISTEMA DE TRANSPORTE COLETIVO DE JOINVILLE funcionou pela última vez e dele só restam algumas poucas fotos e relatos de pessoas que o viram e o utilizaram e que há muuuito tempo partiram .....enfim , " pegando um gancho " na famosa frase escrita por um suicida ex-presidente do Brasil , ele saiu da vida , ou melhor , de funcionamento , para entrar na História .......
Ah que coisa maravilhosa se momentos tão importantes da história de Joinville , como esse que acabou de ser exposto , pudessem ter sido FILMADOS ! Como isso infelizmente não foi possível , aconselho você a dar uma conferida no vídeo doa dia : imagens da RUA JOÃO COLIN ( ABAIXO , A RUA JOÃO COLIN , EM FOTO PROVAVELMENTE DE 1910 ) , por sinal , um dos pontos finais da antiga linha de bondes . PARA ISSO , CLIQUE NO SEGUINTE ENDEREÇO : https://www.youtube.com/watch?v=mXeeEx0Ug_I
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