quinta-feira, 10 de julho de 2014

Ventos de Outono

Em 1984 o irreverente e genial RAUL SEIXAS gravou aquele que seria um de seus últimos trabalhos : o disco METRÔ LINHA 743 .  Entre as 10 músicas do disco está uma de suas mais lúdicas e também uma de suas menos lembradas : CANÇÃO DO VENTO . Nela o "maluco beleza"  dá a sua definição do que é o vento , não foi a única música brasileira a ter o VENTO como tema , mas traz a imagem que muitos têm dele : a de dar uma sensação e , de certa maneira , fazer voltar à descompromissada época da infância . Um dos fenômenos mais contraditórios da natureza , assim como pode dar a sensação de paz e liberdade , também pode trazer a destruição e gerar tristeza na forma de furacões e tufões . Na poética crônica de hoje HILTON GORRESEN traz é a vez de HILTON GORRESEN dar a sua definição do que é o vento . CONFIRA :

"Dizem que uma pessoa não se banha duas vezes nas águas de um rio . A mudança é constante . A escola de minha cidade não é o mesmo colégio Stela Matutina , em que outrora voejavam os hábitos negros das freiras , santas freiras que educaram tantas gerações de moleques . Os modernos cinemas de shoppings não são o velho e gostoso Cine Marajá , no qual assistíamos os lançamentos de Hollywood com uns três meses de atraso . E uma constatação : o que nos fica do passado não são os acontecimentos , mas as sensações  que esses nos provocaram , a aura em que estão envoltas essas lembranças .



Por isso , rever filmes e gibis , reencontrar coisas de nossa infância não nos trazem de volta o prazer naquela época experimentado .

 A única coisa que para mim permanece constante é o vento .



 Estranho , não ? Por que o vento ? Porque o vento me provoca sensações associadas a momentos de bem estar . Traz do passado momentos de intensa liberdade . E também é poético formar frases com a figura do vento : '......E o vento levou ' . ' O tempo e o vento' . ' O vento será tua herança ' ( foi a minha herança também , e , pelo jeito  , vai ser a dos meus filhos ) .

 Quando menino , adorava correr contra o vento leve de outono e inícios de inverno , no gramado em frente de minha casa - conhecido como 'Coqueiro' em virtude de três vetustos coqueiros ali plantados - sentindo a aragem refrescante no rosto e nos braços . A exemplo do personagem do filme 'Titanic' -



 com calças curtas e os pés descalços - podia sentir-me o dono do mundo .

 Não é por outra razão que minha concepção de Liberdade ( com L maiúsculo ) é a de uma gaivota vista ao longe , adejando sobre o verde do mar , asas paradas , deixando-se levar pela brisa suave . O voo é tudo que ela possui .



 Talvez eu não seja o único imaginando a liberdade nas asas do vento . Vejam o Caetano Veloso : ' Caminhando contra o vento .......' , e aquela outra música : ' depois andar de encontro ao vento ......' .



 É como romper barreiras , vencer distâncias , seja no volante de um carro , de uma lancha , seja numa caminhada firme . É uma forma de captar a realidade , sentir a vida no corpo . Constatar que a velha natureza é uma forma de prazer , dos poucos que nos são consentidos hoje gratuitamente . Sim , por mais que eu tenha mudado , o vento permanece o mesmo de minha infância .



 E neste comecinho de inverno , com o céu escandalosamente azul , saio à rua em busca das antigas sensações . "

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