sexta-feira, 25 de novembro de 2016

Som de Joinville : Salve Guerreira !

SEXO FRÁGIL , SERES DELICADOS , RAINHA DO LAR .....já há muito tempo palavras como essas são insuficientes para definir o que são as MULHERES e não é segredo para ninguém que elas estão cada vez mais independentes , ativas e ocupando espaços e áreas profissionais antes exclusivamente masculinos ( muito provavelmente você já deve , por exemplo , ter visto alguma mulher dirigindo um ônibus ) .
 
 Há 2 séculos atrás , porém , a situação era completamente diferente : determinavam a tradição , a mentalidade da época e os "bons costumes " que uma mulher deveria ser recatada , discreta devotada ao seu marido e aos filhos e conformada com o  papel submisso e secundário reservado à ela na sociedade . Se já era complicado ser mulher naqueles tempos , então imaginem caros leitores e , principalmente , LEITORAS , em um esquecido e distante lugarejo perdido no interior da Bahia e chamado PORTO DA CACHOEIRA ( essa localidade hoje faz parte do município de Feira de Santana  - ABAIXO ) .......
 
Em um lugar que parecia ter sido esquecido por Deus e em uma época em que o FEMINISMO ( o BOM FEMINISMO , diga-se de passagem : aquele que defende e luta por justiça e mais liberdades e oportunidades ) não existia nem nos maiores delírios da mais inconformada mulher do mundo , uma moça que atendia pelo nome de MARIA QUITÉRIA DE JESUS MEDEIROS ( ABAIXO ) estava bilhões de anos-luz à frente de seu tempo : montava como um perfeito cavalheiro , caçava , tinha raras agilidade e destreza com as sempre perigosas e fatais armas de fogo
 
e ainda por cima , para desgosto e vergonha de seu pai e , principalmente , de sua madrasta - EUGÊNIA - ela dançava LUNDU com os escravos da fazenda de seu pai ( esse tipo de dança surgiu a partir dos batuques dos escravos da etnia banto oriundos de Angola - ABAIXO , AO CENTRO , CASAL DE ESCRAVOS DANÇANDO LUNDU - e era tida como "indecente " pelo fato de seus movimentos lembrarem uma relação sexual ) .....
 
Porém , em fins de 1822 a situação não era nada alegre : o grito de liberdade dado pelo então príncipe de Portugal DOM PEDRO I ( 1798-1834 ) às margens de um  modesto riacho paulistano chamado Ipiranga ( ABAIXO ) ainda não havia sido ouvido em todo o Brasil e em várias regiões , como Bahia , Piauí , Maranhão , Pará e Cisplatina ( o atual Uruguai , que até 1828 fez parte do Brasil ) , ainda havia consideráveis contingentes de soldados e militares portugueses . Isso representava não só uma ameaça à tão sonhada independência como também um sério risco à própria existência do Brasil , existindo a possibilidade - bem real - de ele vir a ser dividido em vários pequenos e inexpressivos territórios , a exemplo do que ocorreu na América espanhola .
 
 Embora fosse português de nascimento , o pai de Maria Quitéria - GONÇALO - era brasileiro de alma e coração : certa vez , bastante preocupado , ele lamentava não ter filhos homens para lutar pela "causa patriótica " ......Ao ouvir isso - certamente entendendo o que dissera o seu pai como um misto de desafio , possibilidade de aventura , dever , amor e sacrifício à pátria - Maria Quitéria ( ABAIXO )  acabou pedindo permissão para se alistar nas forças que lutariam contra os portugueses , pedido esse que acabou sendo negado . Mas quando realmente se quer alguma coisa , não se medem desafios sacrifícios e nem consequências : Maria Quitéria fugiu para a casa de sua irmã , cortou seus cabelos , tomou a farda de seu cunhado e acabou se alistando como SOLDADO MEDEIROS .
 
Seu pai logo descobriu isso e revelou a farsa mas mesmo assim não adiantaram nada o desespero e a interferência paternas : Maria Quitéria não só foi aceita no BATALHÃO DOS PERIQUITOS ( essa unidade militar tinha esse nome em função do verde das golas e punhos do uniforme dos soldados ) como acabou ganhando um saiote ( ABAIXO )  para que seu uniforme fosse diferenciado dos demais soldados .
 
 " ESSA RAPARIGA DEVE TER O CORPO FECHADO ! " , provavelmente é o que devem ter dito  muitos dos soldados - entre espantados , incrédulos e admirados - que lutaram e testemunharam os feitos daquele mulher diferente e decidida : em fevereiro de 1823 ela atacou uma trincheira inimiga na praia de Itapuã ( Salvador - ABAIXO ) e fez muitos inimigos ; dois meses mais tarde - em um local conhecido como BARRA DE PARAGUAÇÚ e juntamente com outras mulheres - avançou coma água na altura dos seios contra uma embarcação inimiga e acabou impedindo o seu desembarque , além de vários outros e feitos e passagens memoráveis .......
 
     Tanto sacrifício valeu mais do que a pena : em 2 de julho de 1823 Maria Quitéria fez parte do chamado EXÉRCITO LIBERTADOR que entrou na cidade de Salvador aclamado pela população local ( nessa ocasião as últimas portuguesas que ainda estavam no Brasil acabaram sendo definitivamente expulsas e em razão disso essa data é mais lembrada e comemorada na Bahia - inclusive é feriado por lá - do que o SETE DE SETEMBRO ) e pouco depois ela recebeu do já imperador DOM PEDRO I a condecoração da ORDEM DO CRUZEIRO DO SUL e o direito a um soldo como ALFRES DE LINHA ( patente mais ou menos equivalente a de segundo-tenente do Exército : desde 1996 Maria Quitéria é considerada PATRONA DO CORPO AUXILIAR DE OFICIAIS DO EXÉRCITO BRASILEIRO e em todas as unidades militares do país é obrigatória a existência de um quadro com a sua imagem - ABAIXO , ESTÁTUA DE MARIA QUITÉRIA EM SALVADOR ) .
 
Transformada em celebridade , voltou para sua localidade natal onde reencontrou seu pai : aquele homem , que antes recriminara e renegara sua filha , agora estava cheio de orgulho e a perdoou . Ao contrário do que acontecia naqueles tempos , Maria Quitéria casou-se com quem realmente amava : um humilde agricultor chamado GABRIEL PEREIRA DE BRITO , que era um antigo namorado e com quem ela teve um único filho , ou melhor , uma filha chamada LUIZA MARIA . Lamentavelmente , a mesma pátria pela qual Maria Quitéria ( ABAIXO ) lutara e se sacrificara lhe viraria as costas : já viúva e vivendo em Salvador com a solitária companhia de sua filha , Maria Quitéria acabou falecendo em 21 de agosto de 1853 , aos 61 anos ( nascera em 27 de julho de 1792 ) , pobre , quase cega e esquecida ........
 
A mulher sobre quem iremos comentar a partir de agora também é uma verdadeira heroína : se há quase  2 séculos Maria Quitéria e seus colegas de armas lutaram para que o Brasil se libertasse após mais de 3 séculos de dominação portuguesa , a joinvilense FABRÍCIA PIVA - nascido logo no sexto dia de 1972 ( Perdão , Fabrícia , por revelarmos a sua idade ! ) - luta pela arte , pela cultura e , especialmente , pela MÚSICA , em um lugar ( ABAIXO ) onde se repete algo quase que como se fosse um mantra religiosa , " AQUI É TRABALHO ! " .
 
 Porém , ao contrário da "baiana de corpo fechado " , as armas de Fabrícia são pacíficas , inofensivas e lúdicas : inteligência , criatividade , disciplina , estudo , persistência , talento , um amor colossal pela música , uma batuta de maestrina , um violino e tudo isso misturado com uma certa dose de ousadia e coragem . Criada ao som de notas musicais ( a partir de 1978 Fabrícia começou a estudar piano e iniciação musical na Escola de Música Villa Lobos , da Casa da Cultura de Joinville ) , ela é a mais autêntica e legítima filha e discípula musical do grande TIBOR REISNER ( ABAIXO ) , de quem foi aluna e com quem teve estreita relação entre 1989 e 1996 :
 
maestro nascido na Hungria , foi regente da extinta orquestra sinfônica da Sociedade Harmonia Lyra ( essa orquestra ganhou notoriedade nacional na década de 80 , mesmo sendo composta exclusivamente por músicos amadores ) , diretor da Escola de Música Villa Lobos e ainda participou da edição de 1988 do Festival de Dança de Joinville regendo uma orquestra durante a apresentação do grupo RAÇA ( essa foi a primeira participação de uma orquestra no Festival de Dança ) . Tibor Reisner ( ABAIXO ) viveu seus últimos anos na cidade de São Paulo e foi lá , na "terra da garoa " , que ele acabou falecendo , na tarde do dia de Natal de 1999 , aos 73 anos e ainda tendo a esperança de que a orquestra que criara e regera em Joinville ainda pudesse ser reativada ......
 
Como uma boa e agradecida filha , Fabrícia tratou de resgatar o vasto e valioso acervo deixado por seu mestre : por inciativa dela , em 2013 foi produzido um documentário a respeito do maestro e no ano seguinte , um acervo composto por partituras , livros , discos de vinil , quadros , fotos , documentos e até mesmo roupas usadas em apresentações por ele acabou sendo limpo , restaurado , catalogado e digitalizado ( até então todo esse material estava esquecido em um baú e fazia a alegria de traças e fungos em uma sala fechada da Sociedade Harmonia Lyra ) . Formada pela Faculdade de Música e Belas Artes de Curitiba ( 1997 ) , especializada em Educação Musical pela mesma faculdade ( 2002 ) , mestra nessa mesma espacialidade pela Univali ( Universidade da Região do Vale do Itajaí , em 2008 ) e doutora em Música pela Universidade Estadual Júlio de Mesquita Filho ( São Paulo ) , Fabrícia ( ABAIXO ) é dona de um currículo impressionante e que por si só já diz tudo e que encheria de orgulho o velho maestro que foi seu grande incentivador e fonte de inspiração :
 
 entre 1978 e 2011 fez 20 cursos , oficinas ou extensões universitárias de música ( isso inclui instrumentos , como viola , bandolim , flauta doce e trumpete ) por 6 instituições de ensino musical distintas e a partir de 2001 , como professora da Escola de Música Villa Lobos ( lá deu aulas de viola , harmonia e teoria musical ) criou e desenvolveu ótimos projetos : " ORQUESTRA EXPERIMENTAL " , " NOITES BRASILEIRAS " e " DE CHIQUINHA A CHICO " . Entre 2008 e 2013 , Fabrícia ( ABAIXO ) esteve presente em 12 encontros , congressos ou seminários de música e ainda participou , em 1993 , da quarta edição do prestigiado FESTIVAL INTENACIONAL DE MÚSCIA COLONIAL , realizado na cidade mineira de Juiz de Fora .
 
      Você acha que acabou ? Não , tem mais : entre 1999 e 2013 Fabrícia escreveu 21 livros , artigos publicados em jornais ou trabalhos acadêmicos a respeito de música , produziu 5 trabalhos audiovisuais , muitos outros trabalhos e , CEREJA NO BOLO , em 2014 recebeu da AMUJ ( Associação dos Músicos de Joinville ) o prêmio DESTAQUE MUSICAL ......Só que mesmo com tantas conquistas e feitos ainda faltava algo : ex-violinista do Conservatório de MPB de Curitiba e ex-integrante das orquestras sinfônicas de Jaraguá do Sul e Santa Catarina no período entre 1996 e 2001 , Fabrícia ( ABAXO , À DIREITA ) sonhava , e lutava , para que a cidade de Joinville pudesse ter a sua orquestra sinfônica .
 
 Entre 2009 e 2013 os privilegiados espectadores que assistiram e se encantaram com as apresentações regidas por ela puderem ver um ensaio disso : trata-se da ORQUESTRA DE ESPETÁCULOS DE JOINVILLE , grupo formado por músicos locais e que além da música erudita também tocava um repertório bastante variado e eclético , com gêneros , como pop , rock , samba , jazz e luxuosas e especialíssimas apresentações , como as do MAESTRO MELLO  e dos cantores RAFAELA ANTONIOLI e PAULÃO VITÓRIO ( ABAIXO )  .
 
 Embora o projeto tivesse sido aprovado pela Câmara de Vereadores de Joinville em 2012 , o sonho dourado de Fabrícia só veio a se tornar real naquela mágica noite de 26 de março de 2014 : a ORQUESTRA CIDADE DE JOINVILLE ( ABAIXO )  - primeira orquestra municipal do Estado - fez a sua estreia oficial no palco da glamourosa e histórica Sociedade Harmonia Lyra e pouco tempo depois o sonho de Fabrícia começou a gerar frutos , surgindo a ORQUESTRA JOVEM e o CORAL da Orquestra Cidade de Joinville .
 
 
 
Ao longo de 1 ano e 5 meses foram 57 apresentações e , a exemplo da Orquestra de Espetáculos , com um repertório eclético e que incluía até mesmo a utilização de instrumentos como , guitarra , teclados e saxofones , inexistentes e impensáveis em alguma apresentação do tão conservador mundo da música erudita . Locais fechados , glamourosos , seletos e elitizados , certo ? Errado : a orquestra apresentou-se pelos mais variados locais e regiões da cidade , incluindo o coreto da praça do Mercado Público e até mesmo a PENITENCIÁRIA INDUSTRIAL DE JOINVILLE ! ( ABAIXO )
 
Tudo ia bem até o fatídico mês de agosto de 2015 : de maneira lamentável e inexplicável a maestrina-violinista acabou sendo substituída no comando da orquestra ( em seu lugar entrou MARTIN LUTHERO KLEMANN , ex-regente da orquestra da Univille ) , em mais uma das típicas lambanças da atual desadministração municipal , que ainda por cima já demonstrou diversas vezes que não gosta de arte e cultura ! Atualmente Fabrícia ( ABAIXO )  dá aulas de violino na Casa da Cultura de Joinville e , como voluntária no projeto social "ESPAÇO DA CRIANÇA " , sendo também regente da orquestra da faculdade SOCIESC JOINVILLE .......
 
Mas não tem nada maestrina ! Nossa modestíssima homenagem é o vídeo do dia : nele a Orquestra de Espetáculos toca a música " AFRICA " , um mega sucesso de 1982 da banda norte-americana TOTO ( ABAIXO )  . PARA ISSO , CLIQUE NO SEGUINTE ENDEREÇO : https://www.youtube.com/watch?v=swgxvjWmlK4
 

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