quinta-feira, 3 de março de 2016

Gabinete do Eça

Certa vez quando questionado de o porquê de um sério e bem comportado produtor musical de uma gravadora multinacional ter se transformado em um irreverente , irônico e talentoso cantor , RAUL SEIXAS respondeu da seguinte maneira : " Foi uma transmutação dentro de uma realidade descontínua . Prá sobreviver no mundo dos ratos transei com Deus e com o Lobisomem '........Não seria estranho se ao invés do " Maluco Beleza " essa tivesse saído da boca de um dos nossos personagens do dia ........Filho de pai brasileiro e mãe portuguesa , veio ao mundo  na cidade portuguesa de Póvoa de Varzim em 25 de novembro de 1845 e , para horror e escândalo da puritana sociedade portuguesa da época , por ocasião de seu nascimento os seus pais ainda não haviam se casado : consta que a sua avó era contrária a união de seus pai e eles só casaram quando ele tinha 4 anos de idade e 6 dias após a morte de sua avó , só que ao  contrário de atrapalha-lo isso só o ajudou e acabou servindo com uma das fontes de inspiração para a atividade que o consagraria .........A exemplo do pai - que era um nobre bastante íntimo do rei de Portugal e foi um bem sucedido juiz e político , tendo sido também escritor e poeta nas horas vagas - também acabou seguindo as carreiras jurídica ( era bacharel em Direito pela antiga e tradicional Universidade de Coimbra ) e política ( foi nomeado administrador do Conselho da cidade de Leiria , cargo mais ou menos equivalente hoje ao de presidente de uma Câmara de Vereadores ) .
         Também seguiu a carreira diplomática - a partir de 1873 - tendo sido cônsul em Havana ( Cuba ) , Newcastle ( Inglaterra ) e Paris ( cidade onde veio a  falecer , em 16 de agosto de 1900 , vítima de tuberculose )e foi um destacado jornalista , tendo sido redator da revista AS FARPAS , diretor da  REVISTA DE PORTUGAL e do ALMANAQUE ENCICLOPÉDICO , além de ter atuado ou colaborado com vários outros órgãos de imprensa mas era a LITERATURA que corria com mais força nas veias de JOSÉ MARIA EÇA DE QUEIROZ .........Os seus convívios íntimos com a burguesia , a nobreza e o poder acabaram servindo de inspiração e combustível  para as suas obras e mais  ainda : isso serviu de embasamento para que Eça de Queiroz fosse uma dos maiores e mais ácidos críticos da atrasada , hipócrita e puritana sociedade portuguesa de então . Sem dúvida alguma um dos maiores escritores não só de Portugal como de países de língua portuguesa , Eça de Queiroz escreveu 26 livros , sendo que apenas 11 foram publicados em vida e entre eles encontram-se clássicos como O CRIME DO PADRE AMARO , O EGITO , MANDARIM e A CIDADE E AS SERRAS . Aliás , quem acompanha televisão deve se lembrar de adaptações de dois clássicos de sua autoria feitas pela TV Globo : a ótima minissérie PRIMO BASÍLIO , exibida em 1988 , e a chata OS MAIAS , de 2001 .......Trata-se também de um escritor de renome mundial : quase todos os seus livros foram traduzidos em outras línguas - vinte , para ser mais exato - incluindo línguas dificílimas , como o islandês , o húngaro , o tcheco e o basco ( língua falada em região localizada entre França e Espanha : o País Basco ) . E é claro que uma figura do mundo literário tão expressiva , como Eça de Queiroz , não poderia ficar de fora de uma crônica escrita pelo escritor são chiquense HILTON GORRESEN , que hoje nos revela o seu lado cientista , ou melhor NEUROLINGUISTA ........CONFIRA :

 "Você lembra quais as cores da roupa da pessoa com quem falou há uns minutos ?


De acordo com a Neurolinguística ( ABAIXO ) existem pessoas cuja percepção dos dados da

realidade se dá pelo canal visual.

São aqueles que possuem memória fotográfica, que

notam as cores, os detalhes, e até se expressam mediante palavras concretas,

 que

evocam formas e coloridos. Outros utilizam canais diferentes, como o auditivo ( ABAIXO ) ou o

sensorial.

Desconfio que sou um desses. Guardo muito bem atitudes e palavras, mas

não me perguntem se determinado prédio se localiza antes ou depois do semáforo.


         Foi pensando nessa teoria que resolvi fazer uma rápida pesquisa nos textos de

alguns autores conhecidos, onde encontrei dois extremos, tratando do mesmo

assunto, um gabinete de trabalho ( ABAIXO ) .


         Eis como Graciliano Ramos ( ABAIXO ) menciona o gabinete do governador, no conto ' Dois

dedos ' , constante do volume Insônia :

' ... o salão era enorme, cercado de vidros por

um lado, de livros pelo outro. Aquilo tinha aparência de biblioteca pública ' .

 Por aí se

deduz que o velho Graciliano ( ABAIXO ) não era detalhista, assestava sua câmera apenas no

plano geral, sentido o espaço e o clima que dele emanava. Na mesma página, o autor

escreve :

' Cócegas nas solas dos pés, suor nas solas dos pés. Um escorrego – confissão

de inferioridade. '


         Não seria isso um índice de que o mestre se enquadra na categoria dos

sinestésicos ( ABAIXO ) , ou seja, os indivíduos que processam as informações por via sensorial,

expressando isso em seus textos ?


           Agora, observem o gabinete do Eça de Queiroz  ( ABAIXO ) :

' Ao fundo, e como um altar-

mor, era o gabinete de trabalho de Jacinto.

 A sua cadeira, grave e abacial, de couro,

com brasões, datava do século XIV,

 e em torno dela pendiam numerosos tubos

acústicos, que, sobre o panejamento de seda cor de musgo e cor de hera, pareciam

serpentes adormecidas e suspensas num velho muro de Quinta.'  ( do conto

Civilização ).

 Não se trata de mera descrição de um local, é uma visão de quem se

compraz em observar as coisas, em degustar as formas e as cores, como uma bebida

preciosa.


        Por que motivo alguns autores deixam de captar as cores de uma floresta e a

descrevem de modo sensorial : solo úmido, árvores descascadas, montanhas íngremes,

folhas ásperas ou macias ?

 É possível que um autor expresse a realidade da maneira

como mais frequentemente a capta ?

 E que existam variados canais para se atingir o

leitor, dependendo de seu sistema sensorial predominante ?  Fica aqui a ideia para

quem desejar aproveitá-la. "



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