Não deu outra : o carro me acertou em cheio e minha cabeça ficou a apenas 20 centímetros de uma das rodas......Felizmente , e por muita sorte , tive apenas um leve arranhão na costa e voltei , aos choros , para casa com a bicicleta - um presente que recebi no Natal de 1988 - totalmente destruída . Em relação ao motorista do carro , que , diga-se de passagem , não teve culpa alguma pelo aconteceu , era uma mulher : jovem , bonita , no vigor de seus 32 anos de idade e que chorava copiosamente , toda cheia de remorsos . Infelizmente não lembro o seu nome : gentil , essa jovem foi na tarde do dia seguinte com o seu filho em minha casa para saber como eu estava e essa acabou sendo , infelizmente , a última vez que nos vimos . Aliás , pouco antes de escrever este texto , fiquei em perguntando : e se continuássemos a nos ver com frequência , seríamos amigos e ela teria influência na formação da minha personalidade ? Será que ela ainda pensa nesse fato quase trágico ? Aonde será que ela está ? O fato de eu ter escapado da morte seria alguma intervenção "divina " ? .......Particularmente , como já comentei em outra ocasião , sou bastante CÉTICO e não acredito nesse negócio de DESTINO e PREDESTINAÇÃO ( me desculpe , caso você tenha algum tipo de fé ) . Também não tenho trauma algum disso que me aconteceu , muito pelo contrário , continuei a andar de bicicleta e até já cheguei a cometer , burramente , algumas imprudências como pedestre : essa foi uma daquelas típicas "lambadas" corretivas que levamos ao longo de nossa vida , que sevem para nos ensinar muita coisa e que nos tornam seres humanos um pouco menos imperfeitos . Situações como essa também servem para mostrar o quanto sempre estamos namorando com a morte e que a VIDA - por sinal , o único bem que temos - é VALIOSÍSSIMA demais para ser jogada fora graças a um ato irresponsável e estúpido ......Após esta pequena passagem auto biográfica , agora é a vez de dar lugar a um sujeito que já há muito tempo vive contando um pouco de sua vida e é claro que só poderia ser ele : o jornalista e eterno contador de histórias ROBERTO SZABUNIA ! Em um misto de viagem histórico-saudosista e de uma daquelas típicas e informais conversas filosóficas de botequim , o Forrest Gump começa a contar a sua história a partir de um desses típicos acidentes ocorridos na infância , e bem menos grave do que aquele foi descrito há pouco ......CONFIRA :
"Tenho no calcanhar esquerdo um restinho de cicatriz, já desgastada pelos
anos, de um pequeno incidente de infância. Vinha eu de carona na bicicleta
Gäricke ( ABAIXO ) do meu tio Zé, pilotada por meu pai Antoninho.
Voltávamos do
Cruzeiro quando, ao passar sobre o cruzamento com os trilhos, o solavanco
me desequilibrou e meu pé esquerdo se enroscou nos raios da roda traseira.( ABAIXO , OUTRO MODELO DE BICICLETA GAERICK : ESSA É DE 1955 )
Nem deve ter sido tão grave, mas o pouco que a gaveta da memória me
mostra é sangue correndo e uma dor dos diabos.
Ainda precisando aguentar, e
berrando como um cabrito, tive do saudoso Didi os primeiros socorros, na sua
farmácia ( ABAIXO ) .
Estranho é que o machucado foi na parte externa do calcanhar. Sei
lá, o fato é que essa foi minha primeira e mais duradoura cicatriz. Seguiram-na
incontáveis outras, de tombos a maioria, botinadas em campo outras tantas.
Doem ? Claro que não, o que doeu foi o que as causou, ora. Então, e o título da
crônica ?
Ah, aí são outras cicatrizes, provocadas não por bicos na canela ou tombos de
bicicleta, mas lá dentro, na alma.
Até mesmo aquela marca pioneira,
desenhada pelos raios da bicicleta, de vez em quando dá umas pontadas. Não
no calcanhar, evidentemente, mas no coração.
É a dor da saudade. Longe de
ser uma dor lancinante como a física ou mesmo a emocional provocada por
algum trauma, é algo suportável. É a chamada dorzinha gostosa, evocando um
tempo bom.
Não me lembro de onde vínhamos, meu pai e eu, se visitávamos algum
parente lá no morro ( ABAIXO ) ou simplesmente ele me levava a passear na garupa da
bicicleta.
Talvez alguns momentos antes os trilhos tivessem testemunhado
mais uma passagem da maria-fumaça levando passageiros serra abaixo.
Ou a
moderninha locomotiva a óleo diesel estivesse manobrando sua comprida tripa
de vagões de carga.
O fato é que, naqueles distantes anos 60 do século
passado, havia grande movimentação na estação ferroviária de Rio Negrinho ( ABAIXO ) .
Em tempos pré-asfalto, precárias linhas de ônibus e raríssimos automóveis, ( ABAIXO , UMA VISTA DE RIO NEGRINHO NOS ANOS 70 ) o
trem era a principal ligação com o mundo lá fora – Mafra para o Oeste, de lá a
Curitiba, e São Bento e serra abaixo a Leste, terminando no porto de São
Francisco.
' Todo mundo tem suas cicatrizes ' foi o que ouvi há alguns dias, assistindo ao
filme ' À Procura do Paraíso ' . Na trama, uma jovem traduz as enormes
cicatrizes de um acidente como uma falta de contrapartida divina à sua fé. E sai
pela mundana Las Vegas ( ABAIXO ) , praticando os pecados que jamais cometera.
Ela
tenta purgar as cicatrizes internas, já que as exteriores só a roupa esconde. Só
que... Tá, não vou entregar, veja o filme.
Pra mim, as cicatrizes da saudade não devem ser eliminadas – se isso fosse
possível. Deixe que doam um pouquinho às vezes. A simples lembrança de um
passeio de bicicleta – ainda que tenha levado à farmácia – pode ser um lenitivo
para a alma.
Uma eventual dorzinha de melancolia é lavada por umas gotas
produzidas pelas glândulas lacrimais , assim como o bálsamo branco dado pela
Baba limpava a dor de estômago. Todos têm suas cicatrizes. "
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