terça-feira, 13 de setembro de 2016

Cicatrizes Que Doem

Entende-se como MEMÓRIA como uma lembrança , uma recordação , um relato , enfim , a capacidade que temos para guardar algum fato do passado e relembrá-lo no passado . Curioso , pouco antes de escrever este texto fui ver o que a minha velha amiga , companheira e colega ENCICLOPÉDIA UNIVERSAL teria a "dizer " a respeito disso e veja qual foi a sua resposta : " A captação e o armazenamento na memória dos acontecimentos que presenciamos a cada instante ainda constitui um mistério , sendo a sua solução um fator de vital importância para um melhor conhecimento do ser humano . Existe uma distinção entre lembrança e memória , sendo a primeira usada para designar o ato de recordar e reviver os acontecimentos passados e , a segunda , para indicar esta faculdade da mente . É importante observar que não recordamos as coisas , como elas realmente aconteceram , mas sim , adaptadas à  realidade do presente , segundo uma escolha consciente ou inconsciente . A Pedagogia tem se preocupado em desenvolver esta faculdade mental , através de processos específicos , a fim de obter melhor rendimento no ensino ....." Como você já se habituou , todas as respostas da minha amiga acabam servindo como uma passagem para as minhas já tradicionais viagens etimológico-históricas pela língua portuguesa .....Então , LÁ VAMOS NÓS ! Atenção , passageiros do ALAMEDA CULTURAL : primeira parada , ROMA ANTIGA . Vejam só que coisa curiosa : os romanos já utilizavam em sua língua oficial - O LATIM - a mesmíssima palavra atual , MEMORIA , sem acento . Essa palavra , por sua vez veio de outra do latim : MEMOR , que significa " aquele que se lembra "......Atenção , passageiros do ALAMEDA CULTURAL , nosso voo irá agora ter como destino a ÍNDIA : há milhares de anos atrás e sem que infelizmente se possa precisar uma data , os antigos indianos falavam uma palavra de apenas 3 letras , MEN , ou seja , " pensar " ( essa mesma e remota  palavra deu origem ao termo MENTE ) .....Atenção , passageiros , agora nosso último destino : GRÉCIA ANTIGA . Assim como quase todas as línguas europeias , o grego antigo também teve origem nessa remota língua surgida na ÍNDIA e na Grécia a palavra MEN acabou sendo transformada MNÉMESIS , dando posteriormente origem ao latim MEMOR ......Bom , já que estamos de volta a terras tupiniquins , irei lhes contar uma história que aconteceu com este escriba há 25 anos ou um quarto de século atrás : a data é uma sexta-feira , 11 de abril de 1991 e aí mais ou menos pelas 18:30 horas eu já estava quase chegando em casa , sendo que na época eu tinha 10 anos , estudava na quarta série do colégio Elias Moreira e costumava me deslocar para lá de bicicleta . Pois bem , por BURRICE ou sei lá o quê , atravessei a rua mesmo já tendo visto que um dos carros já aproximava e , portanto não daria para fazer a travessia naquele momento . 

     Não deu outra : o carro me acertou em cheio e minha cabeça ficou a apenas 20 centímetros de uma das rodas......Felizmente , e por muita sorte , tive apenas um leve arranhão na costa e voltei , aos choros , para casa com a bicicleta - um presente que recebi no Natal de 1988 - totalmente destruída . Em relação ao motorista do carro , que , diga-se de passagem , não teve culpa alguma pelo aconteceu , era uma mulher : jovem , bonita , no vigor de seus 32 anos de idade e que chorava copiosamente , toda cheia de remorsos . Infelizmente não lembro o seu nome : gentil , essa jovem foi na tarde do dia seguinte com o seu filho em minha casa para saber como eu estava e essa acabou sendo , infelizmente , a última vez que nos vimos . Aliás , pouco antes de escrever este texto , fiquei em perguntando : e se continuássemos a nos ver com frequência , seríamos amigos e ela teria influência na formação da minha personalidade  ? Será que ela ainda pensa nesse fato quase trágico ? Aonde será que ela está ? O fato de eu ter escapado da morte seria alguma intervenção "divina " ? .......Particularmente , como já comentei em outra ocasião , sou bastante CÉTICO e não acredito nesse negócio de DESTINO e PREDESTINAÇÃO ( me desculpe , caso você tenha algum tipo de fé  ) . Também não tenho trauma algum disso que me  aconteceu , muito pelo contrário , continuei a andar de bicicleta e até já cheguei a cometer , burramente , algumas imprudências como pedestre : essa foi uma daquelas típicas "lambadas" corretivas que levamos ao longo de nossa vida , que sevem para nos ensinar muita coisa e que nos tornam seres humanos um pouco menos imperfeitos . Situações como essa também servem para mostrar o quanto sempre estamos namorando com a morte e que a VIDA - por sinal , o único bem que temos - é VALIOSÍSSIMA demais para ser jogada fora graças a um ato irresponsável e  estúpido ......Após esta pequena passagem auto biográfica , agora é a vez de dar lugar a um sujeito que já há muito tempo vive contando um pouco de sua vida e é claro que só poderia ser ele : o jornalista e eterno contador de histórias ROBERTO SZABUNIA  ! Em um misto de viagem histórico-saudosista e de uma daquelas típicas e informais conversas filosóficas de botequim , o Forrest Gump começa a contar a sua história a partir de um desses típicos acidentes ocorridos na infância , e bem menos grave do que aquele foi descrito há pouco ......CONFIRA : 

"Tenho no calcanhar esquerdo um restinho de cicatriz, já desgastada pelos

anos, de um pequeno incidente de infância. Vinha eu de carona na bicicleta

Gäricke ( ABAIXO ) do meu tio Zé, pilotada por meu pai Antoninho.

Voltávamos do

Cruzeiro quando, ao passar sobre o cruzamento com os trilhos, o solavanco

me desequilibrou e meu pé esquerdo se enroscou nos raios da roda traseira.( ABAIXO , OUTRO MODELO DE BICICLETA GAERICK : ESSA É DE 1955 )


Nem deve ter sido tão grave, mas o pouco que a gaveta da memória me

mostra é sangue correndo e uma dor dos diabos.

 Ainda precisando aguentar, e

berrando como um cabrito, tive do saudoso Didi os primeiros socorros, na sua

farmácia ( ABAIXO ) .

 Estranho é que o machucado foi na parte externa do calcanhar. Sei

lá, o fato é que essa foi minha primeira e mais duradoura cicatriz. Seguiram-na

incontáveis outras, de tombos a maioria, botinadas em campo outras tantas.


Doem ? Claro que não, o que doeu foi o que as causou, ora. Então, e o título da

crônica ?


Ah, aí são outras cicatrizes, provocadas não por bicos na canela ou tombos de

bicicleta, mas lá dentro, na alma.

Até mesmo aquela marca pioneira,

desenhada pelos raios da bicicleta, de vez em quando dá umas pontadas. Não

no calcanhar, evidentemente, mas no coração.

 É a dor da saudade. Longe de

ser uma dor lancinante como a física ou mesmo a emocional provocada por

algum trauma, é algo suportável. É a chamada dorzinha gostosa, evocando um

tempo bom.


Não me lembro de onde vínhamos, meu pai e eu, se visitávamos algum

parente lá no morro ( ABAIXO )  ou simplesmente ele me levava a passear na garupa da

bicicleta.

 Talvez alguns momentos antes os trilhos tivessem testemunhado

mais uma passagem da maria-fumaça levando passageiros serra abaixo.

Ou a

moderninha locomotiva a óleo diesel estivesse manobrando sua comprida tripa

de vagões de carga.

O fato é que, naqueles distantes anos 60 do século

passado, havia grande movimentação na estação ferroviária de Rio Negrinho ( ABAIXO ) .


Em tempos pré-asfalto, precárias linhas de ônibus e raríssimos automóveis, ( ABAIXO , UMA VISTA DE RIO NEGRINHO NOS ANOS 70 )  o

trem era a principal ligação com o mundo lá fora – Mafra para o Oeste, de lá a

Curitiba, e São Bento e serra abaixo a Leste, terminando no porto de São

Francisco.



' Todo mundo tem suas cicatrizes '  foi o que ouvi há alguns dias, assistindo ao

filme ' À Procura do Paraíso ' . Na trama, uma jovem traduz as enormes

cicatrizes de um acidente como uma falta de contrapartida divina à sua fé. E sai

pela mundana Las Vegas ( ABAIXO ) , praticando os pecados que jamais cometera.

Ela

tenta purgar as cicatrizes internas, já que as exteriores só a roupa esconde. Só

que... Tá, não vou entregar, veja o filme.


Pra mim, as cicatrizes da saudade não devem ser eliminadas – se isso fosse

possível. Deixe que doam um pouquinho às vezes. A simples lembrança de um

passeio de bicicleta – ainda que tenha levado à farmácia – pode ser um lenitivo

para a alma.

Uma eventual dorzinha de melancolia é lavada por umas gotas

produzidas pelas glândulas lacrimais , assim como o bálsamo branco dado pela

Baba limpava a dor de estômago. Todos têm suas cicatrizes. "




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